Apesar dos softwares, motores, leds e ferramentas digitais ampliarem as possibilidades de trabalhos, nem só de tecnologia vive a aprendizagem criativa. As atividades desplugadas também são fundamentais para os estudantes colocarem a mão na massa, entenderem conceitos de programação, lógica e exercitarem a resolução de problemas. Mas, afinal, o que é uma atividade desplugada?
“Nós chamamos de atividades desplugadas aquelas que não dependem de equipamentos eletrônicos, tais como celulares, tablets ou computadores. São atividades que podem ser desenvolvidas com materiais físicos, normalmente baratos ou reutilizados, como papéis, papelão, canetas, lápis coloridos, caixas, palitos, cola, régua, garrafas pet, tampinhas, tecidos, linhas, ou mesmo ingredientes culinários, entre outros”, define o educador Alberto Cunha, gerente da Assessoria de Tecnologias Educacionais na Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (MG).
“Acredito que trabalhar atividades desplugadas com crianças e adolescentes traz vários benefícios. Elas exigem que se coloque as mãos na massa, trabalhando a organização do pensamento lógico e reflexivo”
Alberto foi fellow do Desafio Brasileiro de Aprendizagem Criativa da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa com o projeto “Aprender fazendo: programação e robótica” e explica que são vários os tipos de atividades que podem ser desenvolvidas de forma desplugada. No entanto, ele enfatiza que é muito importante pensar em quais e como elas serão realizadas, seus propósitos e adequação às idades. “Acredito que trabalhar atividades desplugadas com crianças e adolescentes traz vários benefícios. Elas exigem que se coloque as mãos na massa, trabalhando a organização do pensamento lógico e reflexivo, além do desenvolvimento de várias habilidades pouco exercitadas, desafiando todos os envolvidos. Elas podem promover diversos aprendizados de forma lúdica e prazerosa para todos os envolvidos”, diz.
Uma linguagem para todos
É muito comum associarmos o aprendizado de programação nas escolas como um caminho para que os jovens se tornem programadores e cientistas da computação em sua vida adulta. Até pode ser, mas não é somente para isso. “Escrever códigos não é só para os magos dos computadores”, defende Mitchel Resnick do laboratório de Mídia do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) — “é para todos”. Na palestra “Vamos ensinar as crianças a escrever códigos”, Resnick apresenta os benefícios de ensinar as crianças a escrever códigos, para que elas possam fazer mais do que simplesmente “ler” as novas tecnologias, mas também criá-las. “Nem todos os alunos se tornam escritores, mas ensinamos todos a escrever porque é uma forma de se comunicar com os outros, de organizar seus pensamentos e expressar suas ideias. Para o autor, o mesmo acontece quando alunos aprendem a codificar. Eles aprendem a organizar, expressar e compartilhar ideias de novas maneiras, em um novo meio”, afirma a educadora Daniela Lyra Cardoso, especialista em design instrucional e tecnologia da educação.
“Nem todos os alunos se tornam escritores, mas ensinamos todos a escrever porque é uma forma de se comunicar com os outros, de organizar seus pensamentos e expressar suas ideias”
“Claro que queremos que os alunos se tornem capazes de se inserir no mercado de trabalho, mas também acreditamos que os estudantes devem ter a oportunidade de aprender a manipular mídias para expressar ideias. Atividades desplugadas representam uma ótima porta de entrada para ensinar ciência da computação de forma simples, que não requer muita preparação e que encanta os alunos”, complementa.
Ela cita ainda mais benefícios das atividades desplugadas: apoiam o desenvolvimento da criatividade ao estimular os estudantes a imaginar, criar, brincar, compartilhar e refletir. “Durante atividades desplugadas, professores podem ter alguns objetivos específicos, tais como entender como zeros e uns podem ser usados para representar informações como imagens digitais; compreender conceitos fundamentais de lógica e aplicá-los para criar seus projetos; ou classificar informações rapidamente em uma ordem útil”, exemplifica.
Em tempos de pandemia, em que as crianças brasileiras estão a maior parte do tempo longe das atividades presenciais com a escola, as atividades desplugadas trazem a proposta de serem desenvolvidas em casa, com baixo custo e com envolvimento dos familiares. “Elas exigem algum tipo de pesquisa e ajudam a despertar a curiosidade, mas demandam também concentração, diálogo, colaboração, resiliência, aprendizado com os erros, habilidades manuais e, principalmente, a capacidade de se resolver problemas”, atenta o educador Alberto Cunha.
Esta última, para ele, é talvez a mais importante competência que precisamos desenvolver na educação dos dias atuais: “Ao trabalhar com atividades desplugadas, crianças e jovens deparam-se com o novo o tempo todo. A construção de objetos concretos para se brincar, jogar e contar histórias desafia os envolvidos a materializar ideias que estão em níveis abstratos. E como já nos disse Seymour Papert, a aprendizagem vai ser mais significativa quando ela extrapolar o nível apenas do abstrato. Os feedbacks e as avaliações chegam tanto do(s) construtor(es) quanto dos que estão de fora. As críticas podem promover ajustes tanto no desenvolvimento do processo de construção quanto no produto, o que eleva o nível do desenvolvimento das ideias, promovendo a aprendizagem a um patamar mais significativo para todos”, exemplifica o professor, que divide suas experiências no canal do Youtube Aprendiz 21.
Acesso e tecnologia
As atividades desplugadas também podem ser uma forma de compreender como funcionam os computadores, que estão por toda parte. Temos hoje máquinas potentes nos nossos bolsos, mas quantos de nós entendemos como elas funcionam ou como pensam? É a ciência da computação que explora essas questões. “Cada aluno pode se beneficiar de uma introdução à ciência que é, possivelmente, uma das mais centrais em suas vidas no cenário atual – a ciência da computação”, diz Daniela.
Dentro deste espectro, Carla Arena, formadora de professores que desenvolve metodologias para treinamento em letramento digital, elenca outro aspecto que considera essencial na educação deste século: acessibilidade. “Quando pensamos em atividades desplugadas, estamos falando do desenvolvimento de uma mentalidade e atitude para desvendarmos os “segredos da computação”, diz.
“Quando falamos de acesso, o mais importante para nossos jovens é desenvolver essa mentalidade e atitude de questionadores, que testem, falhem, compreendam e resolvam os problemas a que são submetidos em seus contextos”
Uma vez motivado e desenvolvido o letramento computacional, estamos dando a oportunidade de acesso a uma nova forma de pensar e de resolver problemas. “Daí, quando eles tiverem mais acesso a recursos, já estarão prontos para avançarem no desenvolvimento das competências e habilidades na área da computação. Quando falamos de acesso, o mais importante para nossos jovens é desenvolver essa mentalidade e atitude de questionadores, que testem, falhem, compreendam e resolvam os problemas a que são submetidos em seus contextos”, defende.
Mão na massa
Confira algumas dicas de atividades desplugadas que podem ser feitas no ensino híbrido ou remoto:
Para professores de língua portuguesa ou estrangeira, uma conexão interessante seria usar o livro de ilustração ‘Girls Who Code’ (de Reshma Saujani , Editora Texto, 2018), uma história divertida que apresenta às crianças os conceitos de programação de computadores enquanto se divertem fazendo um castelo de areia. Após a leitura, os alunos podem usar a estratégia ilustrada no livro, de dividir um grande problema (exemplo: “precisamos de um castelo de areia”) em etapas menores, e criar o seu próprio algoritmo para uma atividade que podem fazer em casa – cozinhar, modelar, empilhar, ou até mesmo brincar. Mesmo online, os alunos podem aprender a programar enquanto criam uma receita ou montam um bracelete – No Portal CS Unplugged é possível consultar algumas práticas super inspiradoras de aulas montadas já pensando no desafio do ensino à distância.
Daniela Lira Cardoso, educadora especialista em design instrucional e tecnologia da educação
Existem várias atividades que podem ser feitas à distância, em casa, com materiais simples e que são desafiadores, divertidos e com potencial de muita aprendizagem. A construção de um tabuleiro com 64 casas, como no jogo de damas ou xadrez (8×8) é um desses exemplos. Ali se desenvolve uma série de trilhas, com objetivos bem definidos. Ali as crianças vão programar, usando cartas com setas, explorando a trajetória da personagem ‘A’ para chegar ao ponto ‘B’ no menor percurso possível. Um exemplo claro dessa atividade está no meu canal Aprendiz 21 – Educação Fora da Caixa e também algumas outras, construindo jogos e desenhos, com materiais ultra simples, como até mesmo um lápis e uma folha quadriculada, para se desenhar programando ou programar desenhando.
Aqui também estão outros exemplos de atividades: Come Come – Aprender Brincando!, Desenhar Programando e Programar Desenhando – Parte 2, Desenhar Programando e Programar Desenhando! É possível?, JANEIRO DESPLUGADO – PARTE 1.
Alberto Cunha, educador e gerente da Assessoria de Tecnologias Educacionais na Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (MG).
Em contextos de ensino remoto, as atividades desplugadas podem ser encorajadas com um roteiro, uma trilha de aprendizagem enviada pelo professor, em que o aluno tem que desenvolver e fazer o registro sobre como realizou e os resultados que foram alcançados. Nesta fase, as crianças e jovens podem recorrer ao que possuem localmente. Por exemplo: o professor pode fazer um trabalho de pixel art em que os meninos fazem um desenho específico, com determinadas cores, com determinados parâmetros, e eles trabalham com as células e localização em uma folha quadriculada. Ou podem fazer um personagem se mexer no papel, utilizando a estrutura de programação de plataformas como o Scratch, por exemplo. As possibilidades são inúmeras. O importante é fazer com que o aluno experimente, explore, construa, desconstrua, programe, invente, e chegue às suas conclusões com seus produtos finais, aprenda e evolua para o próximo desafio e projeto. É assim que as vidas dessas crianças e jovens podem ser impactadas positivamente independente do contexto em que se encontram.
Carla Arena, educadora, cofundadora do Amplifica
Autora: Mayara Penina
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.