Criar uma comunidade criativa na escola não é uma tarefa tão simples como parece. Ela envolve pertencimento de gestores e professores na busca ativa por ações que despertem e resgatem a curiosidade nos estudantes. Tudo isso com envolvimento do território educativo para que, juntos, possam estimular a criatividade no processo de aprendizagem.
Para superar essas dificuldades, é necessário refletir sobre o atual cenário da educação, que ainda é centrada em produtos finais e avaliações, ao invés de considerar o processo e o desenvolvimento da capacidade criativa dos estudantes.
Uma pesquisa, realizada pela NASA, aponta que o pensamento criativo tende a diminuir com o tempo. Enquanto 98% das crianças de até cinco anos apresentam altos índices na hora de solucionar problemas de maneira criativa, apenas 2% dos adultos, com idade até 25 anos, conservam esta mesma característica, o que nos faz repensar e rever o processo educativo.
“É necessário romper com antigos paradigmas que submetem crianças e jovens a aprendizagens e processos avaliativos igualitários, que nem sempre consideram os diferentes ritmos de aprendizagens”
É necessário romper com antigos paradigmas que submetem crianças e jovens a aprendizagens e processos avaliativos igualitários, que nem sempre consideram os diferentes ritmos de aprendizagens. O processo de aprendizagem criativo é o oposto, pois não é seriado e permite uma gama de possibilidades e experimentações.
Criatividade
A criatividade está relacionada a ideias que agregam valores no desenvolvimento integral das pessoas. O trabalho criativo é movido pela curiosidade, em que somos alimentados com coisas que vivemos, projetamos, criamos e concebemos pela imaginação. Assim, manter os estudantes abertos a uma nova possibilidade dentro da escola é essencial para cultivar o aprendizado e envolver a comunidade.
O professor e pesquisador do MIT Media, Mitchel Resnick, aborda a Aprendizagem Criativa, concebida a partir das ideias do professor Seymour Papert. Inspirado no construtivismo de Jean Piaget, ele desenvolveu o termo construcionismo para explicar a filosofia centrada no desenvolvimento das pessoas que pensam e atuam de forma criativa, colaborativa e sistemática, que definiu como “micromundos”.
Sua premissa era reproduzir uma aprendizagem imersiva e orgânica com o envolvimento de diferentes ambientes considerados familiares para as crianças. Esses espaços foram definidos como micromundo, com o objetivo de trabalharem livres, usando todos os tipos de materiais (desde sucatas até componentes eletrônicos) para vivências e construções.
“Dentro do processo de aprendizagem, é preciso buscar métricas e abordagens diferenciadas para alcançar a criatividade, considerando o engajamento e o pertencimento dos alunos”
Dentro do processo de aprendizagem, é preciso buscar métricas e abordagens diferenciadas para alcançar a criatividade, considerando o engajamento e o pertencimento dos alunos. Estimular a criatividade é um desafio para a educação e para a prática docente, mas isso não deve estar presente apenas na infância, mas em toda a educação básica.
Caminhos para estimular a criatividade na escola e envolver o território educativo
As escolas têm o papel essencial para o desenvolvimento da criatividade e do pensamento crítico, que são consideradas habilidades socioemocionais híbridas e propostas pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular ). A aprendizagem criativa está centrada em quatro pilares que vão ao encontro das dez competências da BNCC, que abordam os 4 P’s: Projetos, Paixão, Pares e Pensar brincando.
Desta maneira, a partir dos pilares da aprendizagem criativa temos uma infinidade de possibilidades que envolvem – materiais, linguagens e novas abordagens de ensino, que direcionam o olhar para a tecnologia como propulsora ao aprendizado e impactam o desenvolvimento do estudante na sua capacidade de aprender, permitindo autonomia e protagonismo para o desenvolvimento da criatividade e do pensamento crítico e reflexivo, além de permitir o envolvimento da comunidade, uma vez, que os estudantes devem ser considerados agentes multiplicadores.
Assim, para levar a criatividade para dentro da sala de aula e envolver a comunidade, podemos seguir alguns caminhos.
Não basta apenas inserir novas abordagens de ensino é essencial a inserção das metodologias ativas, que possibilitam tirar o aluno da passividade e trazer para o centro do processo de aprendizagem ao abordar a modalidade que melhor atende aos objetivos cognitivos – resolução de problemas reais, aprendizagem por projetos, aprendizagem entre pares, ensino híbrido, sala de aula invertida e design thinking.
Cultura Maker: o movimento maker é um grande guarda-chuva e aporta a Educação 4.0 sob diversas óticas, entre elas: Programação, Robótica, IoT (internet das Coisas), marcenaria, bordado, entre outros, permitindo que os estudantes aprendam experimentando possibilidades, que podem ou não usar recursos digitais de baixa tecnologia (não estruturados como sucata), até mesmo a alta tecnologia (como prototipagem e fabricação digital), mas que são capazes de trazer o aprendizado com as mãos para o coletivo.
O professor pode, a partir de um problema real, levar a cultura maker para dentro da sala de aula, fazendo a conexão com as diferentes áreas do conhecimento para que o aprendizado seja significativo.
Tinkering: é uma abordagem que considera o lúdico e o exploratório. Desta maneira, os estudantes têm acesso a ferramentas e objetos que podem explorar livremente para construir coisas, aprendendo com os erros.
STEAM: recebe este nome por integrar áreas do conhecimento como ciências, tecnologias, engenharia, matemática e artes em uma abordagem investigativa que é integrada e baseada em projetos, tendo como objetivo formar pessoas em diferentes conhecimentos e conteúdos inovadores para os desafios futuros.
A partir dos caminhos apresentados, é possível envolver o território educativo de uma forma natural. Os exemplos são inúmeros: realizar uma aula pública para identificar um problema real da comunidade, realizar uma exposição e ou feira com a participação do território educativo, desenvolver oficinas e até mesmo deixar que os estudantes contem com o apoio da família para o desenvolvimento de criações e produções.
A Aprendizagem Criativa exige um preparo especial dos professores. É importante que ao conduzir as experiências os educadores orientem os estudantes sem reprimi-los, promovendo o protagonismo juvenil. O desafio está em não intervir diretamente, mas em auxiliá-los em todos os projetos e pilares da experiência, promovendo agrupamentos e utilizando cada um dos “P’s” da Aprendizagem Criativa.
Na prática
O professor pode escolher a melhor abordagem e utilizar os recursos disponíveis para aplicá-la. Lembrando que a chave para o sucesso de uma educação inovadora está centrada na criatividade e na sua condução, e não na quantidade de recursos disponíveis.
A atividade pode contemplar a abertura de um brinquedo para compreender o seu funcionamento e a partir dele criar um outro projeto. Ou pode ser desenvolvida a partir de um circuito elétrico, demonstrar o funcionamento e aguçando a criatividade para que os estudantes possam avançar em novas construções.
Não é necessário que o professor tenha um domínio sobre as diferentes abordagens, mas é essencial estar motivado a dar este primeiro passo e se permitir aprender no processo, estimulando a curiosidade e o envolvimento dos estudantes ao mediar o conhecimento e conexões com as diferentes áreas do conhecimento, para desenvolvimento da colaboração, empatia e o trabalho com resoluções de problemas.
Outro aspecto é a busca por problemas reais que envolvam a comunidade, como por exemplo o trabalho de robótica com sucata, que transformou o lixo em objeto de conhecimento. Na busca pelo ensino de programação e robótica, a partir de um problema trazido pelos estudantes, ele envolveu a comunidade na solução, melhorando a qualidade de vida do território educativo e tendo excelentes resultados no processo de ensino e aprendizagem.
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.
DÉBORA GAROFALO
Formada em Letras e Pedagogia, com especialização em Língua Portuguesa pela Unicamp. Mestra em Educação pela PUC-SP e FabLearn Fellow, Columbia, EUA. Professora há 16 anos da rede pública de SP, idealizadora do trabalho de Robótica com Sucata que se transformou em uma política pública. Atualmente, é coordenadora do Centro de Inovação da Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo. Integrante da comissão de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo e palestrante em grandes eventos nacionais e internacionais. Pelo trabalho realizado na Educação Pública, recebeu diversos prêmios importantes, entre eles: Professores do Brasil 2018, Desafio de Aprendizagem Criativa do MIT 2019, Medalha de Pacificadores da ONU 2019 e foi considerada uma 10 melhores Professoras do Mundo pelo Global Teacher Prize 2019, Nobel da Educação.