Conceitos como empreendedorismo, inovação e criatividade ficaram em evidência em 2022 com a implementação do Novo Ensino Médio. Nas Escolas Cidadãs Integrais da Paraíba, no entanto, essas ideias são trabalhadas desde 2018 com a disciplina Colabore Inove. Nela, estudantes do primeiro ano do Ensino Médio são convidados a desenvolver projetos em equipe e a pensar em soluções para problemas da sua região.
A Colabore Inove foi proposta pela educadora Luiza Iolanda Cortez e a sua colega, a professora Giovania Lira, após um intercâmbio na Finlândia, um dos países com ótimo desempenho no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).
Nesta entrevista, Luiza Iolanda, que é coordenadora do Programa Celso Furtado de Inovação Educacional e Desenvolvimento Regional da Secretaria de Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia da Paraíba, conta como surgiu essa ideia, como foi implementá-la e como a Colabore Inove se relaciona com o Novo Ensino Médio.
O que é a Colabore Inove?
Luiza Iolanda: A Colabore Inove é um componente curricular inserido na parte diversificada do currículo das Escolas Cidadãs Integrais daqui da Paraíba. Ele surgiu justamente porque essa parte dá a possibilidade de o estado criar disciplinas de acordo com as peculiaridades regionais.
Essa inquietação também nasceu a partir de uma reflexão que foi feita no programa de intercâmbio em que eu participei, o Programa Gira Mundo Professores. Eu e uma amiga minha, que também é professora da rede estadual, participamos dessa formação no exterior na Universidade de Ciências Aplicadas de Tampere, na Finlândia, que é voltada para o empreendedorismo e o desenvolvimento de competências para o profissional do século 21.
Passamos três meses lá estudando e ,ao retornar [ao Brasil], tínhamos que desenvolver uma ação que juntasse as necessidades do estado da Paraíba e o que tínhamos aprendido na Finlândia. Lá, aprendemos muito sobre como incorporar ações que estimulam a criatividade dos estudantes no cotidiano escolar, então a Colabore Inove surgiu dessa inquietação.
Ela foi implementada no currículo do estado da Paraíba a partir de 2019 e é voltada a estudantes da 1ª série do Ensino Médio. São estudantes que acabaram de sair do Ensino Fundamental, estão naquela transição da infância para a adolescência e que, pela primeira vez, vão se deparar com o ensino em tempo integral.
“A tônica da disciplina é que qualquer professor, de qualquer componente e de qualquer área, possa ser responsável pela Colabore Inove, desde que se identifique com a proposta da disciplina”
É uma maneira de colocar no currículo uma disciplina transversal que tivesse uma visão transdisciplinar de educação e que pudesse estimular a criatividade e a energia dos estudantes para o desenvolvimento de projetos. A tônica da disciplina é que qualquer professor, de qualquer componente e de qualquer área, possa ser responsável pela Colabore Inove, desde que se identifique com a proposta da disciplina.
O componente trabalha com a perspectiva das três aprendizagens: a aprendizagem baseada em equipes, a aprendizagem baseada em problemas e a aprendizagem baseada em projetos. A ideia é que os estudantes identifiquem problemas, na escola ou na comunidade, a partir da territorialização da Agenda 2030 e dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas).
Como você vê a importância para o aluno de trabalhar a criatividade com foco no empreendedorismo e na responsabilidade social?
Luiza Iolanda: É a construção da autonomia. É mostrar que, mesmo jovem, o estudante é capaz. [É mostrar] que ele vai ser ouvido e que suas reflexões são importantes para a escola. Todo esse estímulo à autonomia do estudante tem a ver também com o protagonismo dele.
Algo muito importante é a ideia de que o protagonismo, por mais que seja estimulado em um indivíduo, não é algo egoísta. O protagonismo não se restringe a um indivíduo, mas tem a ver com a consciência social, e é por isso que estamos sempre fazendo esses links com, por exemplo, a aprendizagem baseada em equipes. É a ideia do pensamento individual que se fortalece a partir do convívio, do coletivo e da responsabilidade social.
Quando os estudantes são estimulados a fazer essas reflexões, isso fortalece a escola como um espaço de acolhimento, de troca e de informação. De um espaço não hierarquizado e não verticalizado, sem aquela ideia de que o professor e a professora estão colocando uma verdade que os alunos têm que aprender.
“Algo muito importante é a ideia de que o protagonismo, por mais que seja estimulado em um indivíduo, não é algo egoísta. O protagonismo não se restringe a um indivíduo, mas tem a ver com a consciência social”
Sempre que os estudantes, a partir de suas ações, trazem uma resposta para aquele problema, que às vezes parece pequeno, mas tem um forte impacto na comunidade, isso gera um ciclo virtuoso de estímulo e de resposta positiva. Os estudantes se sentem parte integrante daquela comunidade e se sentem mais responsáveis pelo local e seu entorno.
Além disso, [trabalhar a criatividade dessa forma] ainda estimula a projeção do futuro. A atitude empreendedora não tem a ver só com montar um negócio, mas pode ser estimulada a partir de pequenas ações que têm a ver com autonomia, responsabilidade, comprometimento, organização e planejamento.
Quais foram os desafios de implementar essa disciplina?
Luiza Iolanda: O primeiro desafio foi a conquista dos professores. Na Paraíba, temos tido cada vez mais um público mais jovem de professores, mas temos aqueles professores mais antigos. No início, alguns deles abraçaram [o projeto] e se envolveram, vendo a Colabore Inove como uma possibilidade de renovação da sua prática pedagógica. Outros já tiveram um pouco mais de resistência.
Ponderamos algumas questões no processo formativo, porque também não iríamos colocar isso de cima para baixo. Inicialmente, essa disciplina surgiu como um componente curricular eletivo, que em 2018 esteve presente em duas escolas. Em 2019, ela já passou para 100 escolas.
Tivemos um resultado muito bom nas duas escolas iniciais, onde fizemos o teste. Quando passamos para as 100 escolas, era necessário fazer um planejamento e uma organização de formação dos professores. Aí precisamos do envolvimento desses professores, entendendo que o público era muito heterogêneo. Foi o primeiro desafio que tivemos em 2019.
Depois, eu e minha amiga viajamos pela Paraíba fazendo formações presenciais. O estado tem 14 regionais de ensino, e saímos viajando por elas para ir juntando as escolas e os professores para a formação. Foi um período super cansativo, mas foi muito bom porque conhecemos in loco as escolas, os professores e as motivações deles para se envolverem com os componentes.
Em 2019, conseguimos recolher um material muito bom de feedback do início e do final [da implementação] do componente. Fizemos um processo de escuta com todos os professores da Paraíba que estavam ministrando a Colabore Inove e, a partir disso, fomos fazendo ajustes no componente também.
Em 2020, veio a pandemia e um desafio totalmente novo de adaptar toda a proposta da Colabore Inove para o ensino remoto, inclusive em relação ao desenvolvimento de projetos e à aprendizagem baseada em equipes. Uma coisa é trabalhar isso com as equipes de estudantes no presencial. Outra coisa foi trabalhar de maneira virtual.
Nesse momento em que estávamos isolados, tínhamos que buscar estratégias de nos mantermos unidos e próximos, então [nos perguntamos] como podemos usar as ferramentas virtuais para manter essa proximidade e conseguir fazer com que as práticas da Colabore Inove fizessem sentido.
Tentamos buscar alguns temas, como bem estar, saúde mental e estratégias de estudo. Perguntamos aos estudantes quais dicas dão, como mantêm a rotina de estudos, como podem ajudar seus colegas. Quem está conseguindo, quem não está. Então formávamos uma equipe com pessoas que estão conseguindo se organizar melhor nos estudos para ajudar quem não estava conseguindo.
Como essa disciplina dialoga também com o Novo Ensino Médio?
Luiza Iolanda: Como eu falei, essa disciplina começou nas Escolas Cidadãs Integrais. Hoje, elas representam metade das escolas estaduais, e a outra metade são as escolas de tempo parcial, que chamamos de escolas regulares.
Fui uma das redatoras da proposta curricular da Paraíba do Novo Ensino Médio, e isso ajudou muito justamente por eu ser professora e ter participado institucionalmente da criação da disciplina e da formação de professores. A ideia é trazer essa perspectiva que trabalhamos na Colabore Inove também para as escolas de tempo parcial que vão vivenciar o Novo Ensino Médio.
Para as escolas em tempo integral, o Novo Ensino Médio não vai ser uma grande novidade porque já vínhamos trabalhando algumas premissas há alguns anos na rede estadual de educação.
A Colabore Inove serviu de inspiração para a criação de um itinerário formativo integrado aqui na Paraíba, que é o “Vasto Mundo: Meu Quintal é Global”, que vai ser implementado agora nas escolas em tempo parcial.
Durante a escrita da proposta curricular para o Novo Ensino Médio, submetemos o projeto a várias consultas públicas e tivemos uma resposta muito positiva dos professores e dos estudantes da rede, que se sentiram animados em saber que essas práticas pedagógicas vão ser implementadas nas escolas regulares também.
Agora, começamos aqui na Paraíba um processo formativo dos docentes e gestores para receberem o Novo Ensino Médio em suas escolas, então esse é o grande link que fazemos. A Colabore Inove, que começou com as Escolas Cidadãs Integrais, começou com uma experiência tendo resultados positivos, e serviu de inspiração para o itinerário formativo integrado.
Autora: Aline Naomi
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.