Enquanto trabalhavam em um projeto de literatura, várias crianças usavam máscaras de porquinhos cor de rosa que elas próprias fizeram. Mas nem todas. Algumas preferiram criar bonecos de porquinhos construídos de material de largo alcance, e houve ainda um grupo que inventou máscaras de lobo. Em comum, todas pareciam muito orgulhosas ao mostrar seus trabalhos quando nossa equipe de reportagem visitou, virtualmente, uma sala do 2o Ano do Ensino Fundamental (Anos Iniciais) da Escola Municipal Laura Queiroz, em Itabirito, uma cidade mineira de 52 mil habitantes.
Incentivar que as crianças criem algo que elas desejam é apenas um pequeno pedaço do processo que alia projetos já realizados pela escola à Aprendizagem Criativa, uma abordagem pedagógica que propõe ambientes lúdicos, trabalhos colaborativos e atividades mão na massa. Desde o ano passado, graças a um convênio entre a Secretaria Municipal de Educação e a Companhia Vale, os professores da Laura Queiroz passaram a receber o Programa de Aprendizagem Criativa, que contempla material para o professor, para os alunos e formação contínua sobre a proposta, promovida pela Faber-Castell Edux.
Todos os docentes participam da formação, embora apenas os professores do integral executem o Programa de Aprendizagem Criativa. “É importante que todos participem, para termos um alinhamento entre os aprendizados; tudo deve ter um contexto e se encaixar nos objetivos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ”, explica a diretora da unidade, Christiane Bossanelli. Em conjunto, os docentes decidiram usar as ferramentas da formação para ajudar a promover a leitura e, ao mesmo tempo, aumentar o interesse pela literatura.
Etapas da Aprendizagem Criativa
O Programa de Aprendizagem Criativa Faber-Castell é organizado em quatro momentos. O primeiro é chamado de ambientação/narrativa, quando os alunos vão entrar em contato com o tema a ser trabalhado. “Nesse tema dos Três Porquinhos, as professoras construíram três casinhas, de palha, madeira e concreto, com um capricho muito grande. Também veio para a escola uma professora que se vestiu de Lobo Mau para contar a história – e contou várias versões. É um momento de estimulação, de contato com certa realidade”, explica Christiane.
Em geral, dentro do ambiente construído pelas professoras começa o segundo passo, a ideação. É quando os alunos começam a pensar no que querem fazer como projeto – e é nesse momento que se formam os grupos de crianças. “Elas constroem o projeto que querem; o professor vai só acompanhando, para intervir se houver algum conflito de ideias”, diz a diretora.
A terceira etapa, uma das preferidas da garotada, é a hora de pôr a mão na massa – ou seja, pensar, além de com a cabeça, também com as mãos. Normalmente, são trabalhos coletivos.
O último momento de cada projeto é a comunicação/ compartilhamento. Os estudantes devem explicar o que fizeram para outras pessoas, como, por exemplo, aos colegas de outras classes. “Essa é a etapa que movimenta toda a escola – e todos têm a oportunidade de falar com os colegas das outras turmas, contar os objetivos que tinham, a funcionalidade do que fizeram”, afirma Christiane.
Engajamento e coletividade
Durante esse processo, os estudantes são de fato ouvidos e ganham espaço para serem criativos. Núbia Gomes, supervisora da unidade, conta que as ideias dos estudantes moldaram em grande parte o que seria feito no projeto dos Três Porquinhos. “Em uma das versões que foi contada às crianças, é a mãe que manda o porquinho embora de casa porque ele foi malcriado. Um aluno ficou muito revoltado, até chorou. Então, a professora disse que ele poderia propor uma nova versão, dar um novo final. A classe construiu em conjunto uma nova história, em que o porquinho pedia desculpa para a mãe e ela o chamava para um café”, conta.
Era um desfecho que nenhuma professora previa. “A gente começa por uma linha, mas depois são os alunos que vão criando, soltando as ideias. As professoras vão mediando essa construção”, explica a supervisora.
A abordagem tem conquistado o engajamento das crianças. “Uma vez, a turma estava em uma atividade mão na massa e, quando tocou o sinal para o recreio, ninguém queria sair. Imagina uma criança não querer ir para o recreio? ”, ressalta Núbia. Para ela, adotar a proposta da Aprendizagem Criativa Faber-Castell tem se mostrado uma grata surpresa. “Pelo perfil da nossa escola – atendemos um público em situação social bem vulnerável -, achei que seria difícil de aplicar, mas me surpreendeu como eles responderam bem”, conta.
“A gente começa por uma linha, mas depois são os alunos que vão criando, soltando as ideias. As professoras vão mediando essa construção”
Coerência com o projeto pedagógico
“Nossa escola é em tempo integral, e já tinha um projeto pedagógico voltado para uma aprendizagem mais lúdica, com estratégias e metodologias para além das tradicionais”, diz a diretora da unidade. Segundo ela, isso ajudou com que os professores aceitassem bem a nova proposta.
Para a diretora, a capacitação estimula o professor a sair da rotina e experimentar outros formatos – abordagens que muitas vezes eles já conheciam, mas só na teoria. “Os professores ganham uma vivência e passam a ter outras possibilidades. Assim como um aluno está experimentando, o professor também experimenta. Isso dialoga com a nossa proposta de educação integral”, diz.
O Programa precisa ser coerente com as demais ações da escola, como a própria forma de avaliação. “Aqui, a gente sempre procura comparar a criança com ela mesma. A gente não atribui uma nota, não faz prova. A avaliação tem formato de relatório para mostrar a evolução de cada estudante”.
“Os professores ganham uma vivência e passam a ter outras possibilidades. Assim como um aluno está experimentando, o professor também experimenta. Isso dialoga com a nossa proposta de educação integral”
Adotar essa abordagem para estimular o contato com a literatura também tem uma forte relação com outras propostas da escola. “A gente vive a literatura diariamente. Oferecemos um texto diário no 4o e 5o ano, que os estudantes colam no caderno, levam para casa e têm que ler para alguém da família. Para os mais novos, há uma pasta com sugestões para ler em casa, ou no recreio. E todo ano temos uma mostra literária”, cita Christiane.
Esse trabalho coletivo, amplo e constante, tem mostrado resultados em aprendizagem, defende a diretora. “Você causa uma emoção, e isso vai deixar uma marca. A gente consegue enxergar a melhora dos alunos”, afirma.
Núbia concorda que a resposta tem sido positiva, mesmo em momentos difíceis. “Dentro do contexto da pandemia, as crianças ficaram quase dois anos sem escola – e muitas não tinham acesso à internet. A lacuna de aprendizagem está grande, mas não tenho dúvidas de que todo esse trabalho favorece a aprendizagem da leitura”, conclui.
Autora: Luciana Alvarez
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.