O trabalho colaborativo dentro da escola tem o potencial de desenvolver habilidades de comunicação e negociação, de promover a empatia e o autoconhecimento, dar autonomia e ainda estimular a organização e a criatividade. Isso tudo, claro, enquanto os estudantes constroem conhecimentos de determinadas disciplinas. Não se trata de uma fórmula mágica, mas fazer os alunos trabalharem coletivamente é de fato uma estratégia que pode ter ótimos resultados se for feita com propósito e orientação.
Trabalhar em equipe, ou mais do que isso, em comunidade, é algo aceito e feito com frequência na sociedade. “A ciência se faz e cresce desta maneira. Ninguém inventa tudo: um pesquisador aproveita o que outro já fez, há muitos debates, um fomenta a ideia do outro. É assim que se dá a produção de conhecimento hoje”, afirma Ann Berger, pesquisadora no MIT e Coordenadora de Pesquisa e Inovação da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa.
“Mesmo no mundo do trabalho, nos seus empregos, as pessoas trabalham em equipes”
A escola, portanto, não deveria ficar apartada da lógica colaborativa. “Mesmo no mundo do trabalho, nos seus empregos, as pessoas trabalham em equipes. Por que para as crianças a gente fala que elas não podem compartilhar, que não podem usar o trabalho dos outros, que só elas têm que produzir e ser avaliadas isoladamente?”, questiona Ann, uma das grandes propagadoras dos conceitos da Aprendizagem Criativa no Brasil.
A Aprendizagem Criativa tem como base quatro “P”s: projetos, paixão, pares e pensar brincando. Essa abordagem defende que as pessoas aprendem melhor quando têm oportunidade de construir algo que seja significativo (o projeto), que desperte o interesse (a paixão), de uma forma descontraída (pensar brincando). E o processo fica ainda mais rico quando outros colegas são envolvidos (os pares).
Incentivar a colaboração entre pares, contudo, não significa que os estudantes precisam estar o tempo todo fazendo trabalhos em grupo. “Quando a gente fala em Aprendizagem Criativa, a gente pensa em uma comunidade. Pode haver momentos em que o aluno se envolve em um projeto individual, algo em que tenha interesse, ainda dentro do espírito do pensar brincando. Nesse trabalho, ele pode fazer um remix, pegar algo que outro estudante já fez e incorporar, para criar algo mais rico para todos”, explica Ann, que cita o Scratch, uma ferramenta para ensinar programação que proporciona a colaboração entre projetos, mesmo que a distância e em momentos assíncronos.
“O professor deve abrir a porta da sala, trocar ideias com os colegas – tudo é mais prazeroso assim”
Idealmente, a escola deve dar o exemplo e formar comunidades também de professores, coordenadores e gestores. “O professor consegue fazer um bom trabalho dentro da sua aula, mas é difícil a sustentabilidade se a escola e a própria secretaria não estiverem envolvidas. O professor deve abrir a porta da sala, trocar ideias com os colegas – tudo é mais prazeroso assim”, diz Ann.
Portanto, os trabalhos em grupo são mais propícios em escolas e sistemas que abraçam conjuntamente esse tipo de proposta. Professora na Escola Cidadã Integral Monsenhor Manoel Vieira, em Patos, na rede estadual da Paraíba, Maria do Socorro Moreira faz parte de uma dessas comunidades, em que pode trocar com colegas e tem apoio da coordenação e da secretaria. Ela dá aulas para o Ensino Médio em uma disciplina chamada Colabore e Inove, em que o tempo todo os alunos ficam em times. “A formação que a gente recebeu para a disciplina Colabore e Inove foi fundamental”, afirma.
Nos primeiros trabalhos, o mais comum é os estudantes se dividirem por amizade. Mas com o passar dos meses, a professora vai reconhecendo as habilidades de cada um e formando grupos heterogêneos. “O bom é que cada time tenha uma pessoa que gosta de desenhar, uma que seja boa na escrita, outra que fale bem para fazer a apresentação”, diz Socorro. Ao final do ano letivo, a turma toda da Colabore e Inove cria uma empresa fictícia, com objetivo de resolver algum problema social.
Embora cada estudante acabe ficando em um certo “papel” dentro do grupo, a convivência com diferentes perfis é uma maneira de eles aprenderem uns com os outros, pois o estudante com mais aptidão em um área vai servindo de exemplo para os demais, explica a professora. “Temos uma sequência de trabalho que desenvolve o autodidatismo e a criatividade deles, com cada projeto mais desafiador que o anterior. A gente dá a oportunidade, por exemplo, para que todos façam a apresentações, porque é importante terem essa habilidade”, cita.
Com o passar do tempo, os estudantes vão ganhando confiança mútua e se soltando. “Tinha uma aluna muito reservada, que quase não falava, mas num momento em que a turma toda buscava uma frase de efeito para a marca da empresa que estavam criando, ela deu uma sugestão ótima, que supreendeu. Ela foi aplaudida na classe”, conta a professora.
Nem sempre tudo corre com tanta tranquilidade, mas cabe ao professor estar atento para intermediar nos casos de conflito. “É natural ter algum conflito. Recentemente, a gente estava trabalhando com a produção do logo da empresa, para fazer a junção de várias ideias. Teve um aluno que não concordou, disse que o trabalho dele já estava completo e era o melhor. Nessa hora tive de fazer a mediação, mostrar qual era o objetivo maior da Colabore e Inove, que é fazer todos colaborarem e participarem”, afirma.
Estratégia para todos
Socorro, que também é professora de espanhol, usa o trabalho coletivo como estratégia para ensinar a língua estrangeira. “Para praticar a oralidade, eu distribuo os alunos em equipes. Cada grupo tem uma semana para treinar um trecho de um texto e é o outro grupo que faz a correção. É uma metodologia que todo mundo participa e aprende. Não precisa ser um projeto para se trabalhar em equipe”, diz.
Não precisa ser o tempo todo, mas o trabalho em grupo pode ser feito em qualquer disciplina, em qualquer etapa da escolaridade. Mesmo na Educação Infantil já é possível desenvolver certas práticas. Por exemplo, as rodas de conversa são comuns nessa etapa, mas em geral, cada um só está esperando a sua vez de falar (não é fenômeno exclusivo das crianças pequenas, às vezes acontece o mesmo em reuniões com adultos). Então, o professor pode propor que cada criança só pode contar a sua história se antes fizer duas ou três perguntas sobre a história que o colega estava contando. “É uma proposta que cria uma dinâmica de educar o ouvido, de uma escuta atenta”, afirma Sérgio Daniel Ferreira, diretor no Instituto CLQ de formação de professores.
É uma forma de, desde muito cedo, já abordar a Competência Geral 9 da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que prevê “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos”. As Competências Gerais são transdisciplinares, elas devem estar presentes em todas as áreas de conhecimento e etapas da educação.
Ferreira, que foi o idealizador do projeto Experimentoteca Maker para escolas públicas do Centro de Divulgação Científico e Cultural da USP, em São Carlos (SP), diz que o caminho para o sucesso dos trabalhos em grupo é enxergar o propósito maior deles. “Existem pesquisas que indicam que eles aumentam o foco e o engajamento, em comparação ao trabalho individual. No individual, se tem uma dúvida, algum questionamento, a tendência é que o estudante se desencoraje e se desfoque”, afirma.
O papel do professor, explica Ferreira, é organizar as falas, as ideias e os produtos, mostrar o que é uma escuta respeitosa. Conflitos são esperados e a empatia deve começar pelo docente. Crianças saem de universos que são sozinhas, então vivem um conflito muito maior. Não é fácil; ela sofre”, diz. Contudo, quanto mais tempo de “exposição” ao trabalho coletivo, mais ela vai aprender a aceitar a opinião dos outros e negociar.
Para os estudantes um pouco mais velhos, ainda que eles não tenham grandes experiências coletivas anteriores, as simulações e a iniciação científica no Ensino Médio, com o estímulo à participação de feiras nacionais como a Febrace, ajudam a promover o engajamento. “Uma simulação de um momento da história, em que cada grupo vai representar alguém e tentar resolver um problema, como um jogo de RPG (role playing games), desenvolve demais a capacidade de argumentação. Os simuladores da ONU também são ótimos para discutir história, filosofia, sociologia, geopolítica”, cita Ferreira.
Mas seja em que etapa for, o professor deve ter sempre alguns cuidados com o contexto dos estudantes para pedir trabalhos em equipes. “Sempre que possível, deve ser feito num espaço da escola, em momentos em que todos estejam. Se for extraclasse, tem que ser bem combinado com as famílias. E esses combinados devem ser também registrados, não só algo falado em classe”, aconselha.
Para quem quiser mais dicas práticas, Sérgio Daniel Ferreira elencou em um texto para o Porvir: 5 dicas para melhorar o trabalho em grupo.
Autora: Luciana Alvarez
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.