Para funcionar bem, o cérebro humano precisa de pausas. O corpo, de descanso. A necessidade neural e biológica, contudo, acaba sendo desvalorizada no dia a dia, para que as pessoas possam dar conta de seus compromissos. A “correira” das rotinas puxadas chega também às crianças, que desde muito novas já têm suas agendas repletas de atividades.
Por isso, é importante aproveitar o período de férias para deixar as crianças no “ócio”, ou seja, dar tempo para brincarem livremente. “Numa visão sociológica, dentro do sistema capitalista, o ócio é uma contraposição ao trabalho e à produção; é a não mobilização do capital. Mas na nossa sociedade, a criança não é produtora de riqueza financeira, ela é sim um ser de consumo. Fica difícil enquadrar a criança nessa perspectiva”, explica Elvira Souza Lima, que é educadora, antropóloga e pesquisadora de neurociências.
Embora as crianças costumem ser ativas, os momentos de pausa, em que elas ficam quietinhas só observando algo, também podem fazer parte da brincadeira, sem necessidade de despertar alguma preocupação dos adultos. “Hoje, com os estudos que leem a atividade cerebral, já se sabe que essa contemplação infantil é um momento de intensa atividade neural. Os adultos precisam entender que certas coisas que parecem não ser úteis, quando supostamente elas não estão aprendendo, são fundamentais para consolidar as memórias e mobilizam várias áreas do cérebro”, explica Elvira.
“O exercício da imaginação precisa de um certo vácuo. A criança não deveria ter todos os momentos da vida preenchidos”
Quando se trata de férias, não é hora de esperar que as crianças passem o tempo todo quietas. Mas tampouco deve-se enchê-las de atividades pré-programadas. “O exercício da imaginação precisa de um certo vácuo. A criança não deveria ter todos os momentos da vida preenchidos. Quando isso acontece, elas acabam ganhando pouca autonomia e não sabem como gerir o próprio tempo. Por isso, muitas crianças precisam dos adultos para conseguir brincar”, afirma Elvira.
A recomendação da especialista é oferecer “contextos favoráveis”, mas sem grandes direcionamentos. Em casa, pode-se oferecer materiais de desenho, sucatas, blocos de madeira, caixas e coisas pouco elaboradas para que elas possam criar. Deixar uma música instrumental de fundo também ajuda, sugere Elvira. E, sempre que possível, levar os pequenos para a espaços de natureza ou equipamentos culturais. “No começo, as crianças até estranham, mas depois pode virar um hábito”, diz a educadora.
Algumas regras
O “ócio” infantil pode ser, sim, muito ativo e cheio de movimentos. “Dificilmente a criança vai ficar horas deitada numa rede, quietinha. Ela vai aproveitar o tempo livre de forma diferente, vai brincar com brinquedos que ela tem, ou vai inventar coisas com materiais do dia a dia, o que é o melhor”, diz a psicopedagoga Adriana Fóz. As férias significam, portanto, uma época sem tantas demandas, cobranças e exigência de tempo por parte dos adultos.
Os momentos de viagens em família podem ser excelentes oportunidades para permitir que explorem novos ambientes. “Se vai para a praia, para a fazenda, tem que dar ao filho a chance de ser curioso. A criança fica admirada com uma joaninha, uma abelha, isso é muito positivo para o cérebro. A curiosidade é matéria prima de aprendizado”, afirma Adriana.
Dar descanso e desacelerar, porém, não são sinônimos de abolir todas as regras. “Exigir menos horário, como deixar a criança acordar às 9h em vez das 7h, é bom. Dependendo da casa, pode-se um dia ficar até mais tarde na cama. Mas o cérebro em formação precisa de uma organização que vem de fora. Os limites são positivos nas férias ou no ano letivo”, explica a psicopedagoga. Não se deve tirar férias de escovar os dentes, arrumar o quarto, alimentar-se de forma saudável, por exemplo.
“A criança fica admirada com uma joaninha, uma abelha, isso é muito positivo para o cérebro. A curiosidade é matéria prima de aprendizado”
Também é importante estabelecer limites para as telas. “Cada família tem seu jeito de funcionar, suas possibilidades. Não dá pra colocar uma regra para todas as casas. Mas deixar os jovens ficarem o tempo todo nas telas não é saudável nas férias ou fora delas”, alerta Adriana.
Conforme as crianças vão crescendo, chegando à adolescência, oferecer atividades diferentes e tempos vazios sem telas pode ser ainda mais desafiador para os pais. “Não adianta propor uma vez e esperar que o adolescente já tope. Temos de ser perseverantes, porque ele vai ser mais resistente com as coisas novas”, diz. Segundo a psicopedagoga, trata-se de uma questão fisiológica, porque há menos dopamina no cérebro, neurotransmissor que dá a sensação de prazer.
Uma das saídas para driblar a resistência é fazer conjuntamente um certo planejamento para as férias. “O adolescente precisa de ajuda para se planejar, porque é muito emocional e imediatista. Tem que perguntar a ele o que gostaria de fazer esse dias, provocar uma reflexão”, diz Adriana. Mas, é claro, tudo de forma leve, com muito espaço para improvisar e imaginar.
Autora: Luciana Alvarez
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.