Em 2019, um dos alunos da professora de física Ellen Regina R. Barbosa apresentou o projeto de um triciclo para a feira de ciências da escola. Pablo, um aluno cadeirante, acabou conquistando seus colegas com a ideia, mas era o último ano do Ensino Médio e o projeto não foi finalizado. No entanto, o jovem encontrou pessoas interessadas em dar sequência ao esboço, e a invenção finalmente saiu do papel.
Ideias como a de Pablo são comuns nas turmas da professora Ellen, que também é designer de experiências e articuladora regional, no Mato Grosso do Sul, da Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa (RBAC).
De acordo com ela, a abordagem criativa para pensar em atividades escolares é um elemento fundamental para estabelecer elos de confiança com os alunos, para que eles desenvolvam suas habilidades e não tenham medo da sala de aula.
“A criatividade contribui para criar um ambiente afetivo que traz de forma inconscientemente para o aluno o sentimento de que a sala é um ambiente seguro, onde ele pode se expressar, errar e reconstruir ideias”, opina Ellen.
A capacidade de criar e transformar já resultou em grandes conquistas para a humanidade. Desenvolver o lado criativo ajuda a superar desafios de diversos contextos sociais e tecnológicos. Pensando nisso, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 21 de abril como o Dia Mundial da Criatividade e Inovação [livre tradução de Word Creativity Day] . A data é celebrada por diversos países com atividades variadas sobre economia criativa e inovação, inclusive no Brasil.
Mas como desenvolver essa habilidade na escola?
Despertar criativo também deve partir dos professores
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz a palavra criatividade em diversos momentos, quando destaca a importância de articular temas e disciplinas ao desenvolvimento do senso crítico dos alunos, e a sua capacidade de resolver problemas cotidianos ou que fazem parte do seu contexto social.
No entanto, no dia a dia, pensar em aulas mais criativas torna-se um desafio para os professores, que muitas vezes lidam com pouco tempo para o planejamento das aulas e com o que a ciência já identificou como uma perda gradual da criatividade conforme vamos ficando mais velhos.
Um estudo realizado pela NASA, e conduzido pelos cientistas George Land e Beth Jarman, aplicou testes com 1.600 crianças nos EUA durante alguns anos. Entre as faixas de 3 a 5 anos, as crianças apresentaram 98% de alta criatividade; no segundo teste, o grupo foi testado aos 10 anos, e o percentual de criatividade caiu para 30% do grupo; aos 15 anos, somente 12% dos alunos ainda tinham um alto índice de criatividade.
Posteriormente, 200 mil adultos foram testados e apenas 2% se mostraram criativos. A conclusão da pesquisa é que os adultos, ao longo do tempo, deixam de ser criativos.
Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Daiani Riedner, conta que nos cursos de licenciatura da instituição, os currículos já contam com uma disciplina de Aprendizagem Criativa, em que trazem temas para orientar os futuros professores a adotarem práticas inovadoras em sala de aula. A professora conta que, ao iniciar a disciplina, sempre pergunta aos alunos o quanto confiam em sua capacidade para serem criativos, e o percentual de respostas negativas costuma prevalecer entre 70% da turma.
“Falar sobre isso sempre desencadeia gatilhos e lembranças de momentos em que a criatividade foi cerceada na escola ou em casa antes de se tornarem adultos”, lamenta Daiani.
Para ela, o principal caminho para formar alunos criativos é resgatar o potencial de criação dos próprios professores.
“Não podemos pensar em qualquer processo de inovação pedagógica em que os professores e professoras não estejam no centro. Sem a confiança criativa sobre si e sobre seu trabalho pedagógico, dificilmente os professores conseguem desenvolver com os estudantes estratégias didáticas em que a criatividade esteja atrelada aos conteúdos curriculares”, destaca.
Ellen Barbosa ressalta que a criatividade deve ser uma forma de metodologia, e não o objetivo final das aulas. Para ela, a valorização do percurso realizado pelo aluno, ao invés dos resultados que ele pode alcançar (ou não), pode ajudar professores a se sentirem mais confiantes na elaboração de atividades criativas.
“É importante ter em mente que não iremos ensinar criatividade para os estudantes. O que fazemos é criar um ambiente fértil para que eles possam exercitar a criatividade. Quando olhamos dessa forma, a criatividade não é o resultado final, ela é o processo estratégico que irá ajudar o estudante a ser mais autônomo e conseguir se adaptar mais rapidamente diante de situações de mudanças”, explica a professora e designer.
Ampliando olhares para a criatividade
A criatividade também pode ser uma porta para a valorização de outras formas de conhecimento, que por vezes desafiam perspectivas já consideradas excludentes em diversas disciplinas. Um exemplo é a história de arte, que em sala de aula, muitas vezes, pode ser apresentada com o apagamento de artistas negros e indígenas.
Com o uso frequente da internet para preparar aulas, o contato com projetos digitais e outras propostas de narrativa criativa pode ajudar no desenvolvimento de conteúdos mais instigantes. Ao mesmo tempo, também contribuem para uma formação antirracista e mais diversa.
Um exemplo é o projeto <Ater>, iniciativa criada pela publicitária e pesquisadora Larissa Macêdo e pelo programador Lucas Castro, que apresenta de que forma a inteligência artificial tem impactado a disseminação de obras de artistas negros e indígenas divulgadas nas redes sociais. O objetivo é evidenciar a importância de romper com o “conteúdo da bolha”, ou seja, o material que aparece ao público graças a preferências das próprias plataformas, e que muitas vezes acabam inviabilizando pessoas não-brancas.
O projeto está realizando um mapeamento de artistas, que deve ficar disponível em um software ainda em desenvolvimento.
Para Larissa, o <Ater> leva para a Internet um debate importante sobre representatividade nos processos criativos que são reconhecidos como referência.
“No campo das artes ainda são poucas as iniciativas que se propõe a mapear artistas brasileiros negros e indígenas, que devido ao racismo estrutural são oprimidos e invisibilizados de diversas formas. Quando falamos em redes sociais, isso se intensifica, já que temos: o racismo algorítmico, as formas de funcionamento e o modelo de negócios dessas plataformas geridas pelas big techs que reforçam essas opressões. Com isso, esse mapeamento é fundamental, não só para o projeto <ater>, mas para que possamos evidenciar essas questões, trazer visibilidade e outras possibilidades de circulação dos trabalhos desses artistas, dentre outras implicações”, explica a pesquisadora.
Para saber mais
Projeto Ater – online www.projetoater.com.br e o perfil no Instagram @projetoater 🙂
Página da RBAC com conteúdos para uma formação criativa
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.