Por ser uma linguagem de programação, o Scratch acaba sendo naturalmente associado ao desenvolvimento de habilidades de lógica, no campo das ciências exatas. Porém, professores têm aproveitado a ferramenta para trabalhar leitura, escrita e literatura com seus alunos. Além de promover o engajamento, o Scratch também demonstra o uso da língua em situações reais, tornando o aprendizado mais significativo.
“Ele serve para criar narrativas, histórias interativas”, relata a professora Elaine Rocha Sobreira, que conheceu essa linguagem durante a pós-graduação em 2009, quando trabalhava como alfabetizadora. Na época, não teve dúvidas de que o Scratch auxiliaria na sua missão: “Pensei que seria perfeito para eu trabalhar com escrita e produção textual”, lembra ela, que hoje atua como consultora pedagógica.
Por ser uma ferramenta muito aberta e flexível, Elaine acredita que o Scratch pode ser incorporado de forma transversal nas escolas. “Já vi projetos que vão desde educação física até matemática usando o Scratch.”
Como exemplo, ela menciona uma de suas experiências com alunos do 5o ano, que usou o livro físico como ponto de partida e brincou com vários contos de fadas tradicionais. “Todos lemos o livro e, a partir dele, cada grupo tinha de criar um jogo e uma narrativa com uma das princesas. Em cada um dos grupos, uma princesa diferente se tornava a governante do local”, conta. Os estudantes se divertiram ao terem liberdade para criar não apenas a história, mas também para desenvolver personagens e cenários. E, claro, também tiveram que superar os desafios de programação para realizar o que pretendiam.
O projeto envolveu a classe inteira. Além das divisões por grupos, Elaine explica que é comum os estudantes se subdividirem para dar conta das tarefas. Com essa distribuição de atividades, o trabalho rende bem, mesmo em situações em que não há disponibilidade de um computador para cada aluno. “Percebi que eles gostam de trabalhar em duplas para poderem trocar ideias e discutir como realizar a programação”, diz.
Na avaliação da professora, sem dúvida, os alunos se motivaram a ler e se divertiram com o projeto. Mas será que também desenvolveram sua capacidade de expressão escrita? Embora não seja possível isolar uma atividade de todo o trabalho educativo ao longo do ano, Elaine acredita que sim, sobretudo por proporcionar uma situação real de uso da língua. “Eles tinham a preocupação de não publicar nada com erros, porque outras pessoas iriam ler, já que os trabalhos no Scratch ficam públicos. Também conversamos sobre a tradução: o Scratch oferece a opção de traduzir para outras línguas, mas se tiver palavras erradas, ele não vai identificar e não conseguirá traduzir”, afirma.
Mais do que trabalhar questões ortográficas e gramaticais, o projeto também foi uma oportunidade para mostrar as diferentes formas de discurso dentro do gênero narrativo. “Tivemos várias reflexões sobre como é o texto no balãozinho de fala dos personagens, como ele deve ser quando é o narrador quem fala”, menciona a professora.
Produções textuais que vão além do papel
Por oferecer opções de interatividade, o Scratch pode ser explorado para repensar o texto de maneiras que ultrapassem as possibilidades do papel. Em uma parceria de longa data, o professor de laboratório Maker Eduardo Brisola Dreer e o professor de língua portuguesa Paulo Rodrigues já promoveram uma série de atividades para alunos do ensino fundamental 2. “Já trabalhamos para dar “vida” a quadros conhecidos, como a Monalisa. Também já desafiamos os alunos a criarem poemas visuais, nos quais as letras aparecem aos poucos e outros efeitos”, menciona Dreer, professor do Stagio, uma escola particular em São Bernardo do Campo (SP).
Atualmente, a dupla de docentes está oferecendo uma disciplina eletiva que envolve leitura, ficção científica e a construção de artefatos imaginados pelos escritores. “Eles começam com uma roda de leitura, conversam sobre o livro e os artefatos presentes nele.” A partir disso, usando a linguagem Scratch e uma placa Makey Makey (composta por um pequeno circuito que se conecta com garras jacaré e um cabo USB), é possível trabalhar com computação física, explorando sons e luzes nas produções originais da turma.
O projeto despertou grande interesse entre os estudantes por trazer para a escola algo que faz parte da sua cultura juvenil. “Quando perguntamos que artefatos de ficção científica eles já conheciam e imaginavam poder construir, citaram varinha do Harry Potter, espada Jedi, parede da série Strange Things”, elenca Dreer.
Mas para construir algo, não basta ter assistido a filmes ou séries: a leitura será fundamental. “Vamos orientando para que alcancem a verossimilhança ou fidelidade. Cada grupo precisa estudar exatamente o que é descrito no relato, como a peça é descrita pelo autor, quais são os seus detalhes”, afirma Dreer. Provavelmente, os estudantes terão que fazer adaptações, mas sempre com consciência do que está sendo alterado.
Os professores também fazem questão que o trabalho não fique restrito à sala de aula, ou que seja algo apenas para atribuição de nota. O empenho dos estudantes, seja na leitura, seja na programação e construção do objeto, aumenta quando eles sabem que o alcance será maior. Por isso, eles têm o compromisso de terminar tudo a tempo para a feira cultural da escola. “Durante todo o trabalho, eles vão fazendo um diário de bordo, contando as etapas e fotografando. No dia da mostra, eles podem apresentar para famílias e colegas tudo o que fizeram”, diz Dreer.
Autora: Luciana Alvarez
*Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.