Desde 2003, completando exatos vinte anos, várias cidades brasileiras celebram o Dia da Consciência Negra em 20 de novembro. Essa data foi instituída pela Lei 10.639, que também tornou obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas do país.
Esse período pode ampliar projetos, ações e práticas, mas a discussão não deve se limitar apenas ao mês de novembro. O fortalecimento da educação antirracista precisa ser um compromisso diário em todas as escolas do país.
Para inspirar educadores a trabalhar a consciência negra todos os dias, reunimos a seguir práticas pedagógicas que fortalecem a educação antirracista por meio da aprendizagem criativa. Confira:
Trançando Histórias
Ao iniciar seu trabalho no Centro Integrado de Educação Pública Brasil-China, em Duque de Caxias (RJ), a professora Cleide Magesk logo se surpreendeu com a quantidade de estudantes que, assim como ela, eram negros e tinham seus cabelos trançados. “É algo difícil de ver: tanto no contexto do aluno, ver um professor parecido com você, como no meu contexto. Foi empatia à primeira vista”, afirma Cleide.
Foi então que, no segundo semestre de 2022, ela criou o projeto “Trançando histórias”, aplicado na turma de primeiro ano do Ensino Médio. Tendo como mote a prática milenar de trançar os cabelos, ela trabalhou pesquisa, valorização da identidade e ancestralidade. “Os estudantes se sentiram representados no projeto. Tem essa característica de a gente estar se vendo nele”, relata a docente.
Desconstruir o preconceito atrelado ao uso da trança também era um dos objetivos da iniciativa. “Queria trazer para a sala de aula todo o conhecimento de família sobre as tranças, buscando de onde vem a trança, qual a ideia de ancestralidade que está por trás dela, por que trançar era tão importante. Tudo isso conectado com a estética negra.”
O projeto foi dividido em duas frentes: a de pesquisa documental e literatura negra, que deu origem a um podcast realizado pelos estudantes; e a mão na massa, com foco artístico, de trançar bonecas africanas inspiradas nas próprias tranças dos estudantes. Ainda, trancistas profissionais foram convidadas a falar sobre seus trabalhos em sala de aula.
“A escola estava tendo grandes índices de evasão. Após o ‘Trançando Histórias’, os alunos estão faltando menos, pois estão se vendo no projeto, que trabalha várias habilidades a partir de algo que eles já conheciam previamente. Vejo que eles sentem orgulho e querem continuar o nosso projeto”, conclui Cleide.
Conheça mais sobre o projeto Trançando Histórias.
Personalidades Negras
Professora de história e geografia da Escola Parque (RJ), Haianna Lima sentia um grande incômodo ao se deparar com materiais escolares que apresentavam a população negra a partir do viés da escravização. “Como mulher negra e militante antirracista, não me permiti apresentar aos meus estudantes a população preta dessa forma”, relembra.
“Assim surgiu a iniciativa ‘Personalidades Negras’ no ano de 2021, que passou a apresentar pessoas pretas “invisíveis na história desse país, a partir da potência desse povo”. Como a escola ainda estava em funcionamento híbrido, por conta da pandemia, a maneira mais fácil de reunir a produção dos estudantes dentro deste tema era também por meio digital, e com isso o projeto publicou um site e um podcast.
Hoje, a iniciativa segue em vigor. “As turmas seguintes acessaram o site, e deles vão surgindo outras ações. É uma sequência que dá continuidade ao que já foi feito”, analisa a docente. Ela também avalia o impacto que o projeto causou em seus pares: “Eles se sentem mais preparados, abertos e dispostos a fazer com que as crianças entendam a população preta a partir de outro ângulo.”
Conheça mais sobre o projeto Personalidades Negras.
Negritude em Versos e Imagens
Em sua época de estudante, o professor de geografia Lucas Ferreira sentia falta de ver a cultura negra, as riquezas e conquistas do povo preto apresentadas nas aulas e nos materiais escolares. Para evitar que o mesmo problema se repetisse aos seus alunos na EMEF Campos do Cristal, em Porto Alegre (RS), o docente elaborou um projeto que une fotografia, poesia e estética negra: o “Negritude em Versos e Imagens”.
No último trimestre de 2022, a iniciativa foi aplicada em sua turma de nono ano. Lucas buscava uma ideia simples, mas que causasse impacto: selecionou poemas de escritores negros e estimulou seus estudantes a fazerem ensaios fotográficos uns dos outros, com base naquele material. “A baixa autoestima é um elemento bem presente na vida dos jovens negros”, observa o professor. “Eles não se enxergam como bonitos, e depois das fotos viram que possuem uma beleza única.”
Ao ter como foco do trabalho a expressão artística, o projeto trouxe um grande impacto no que tange a representatividade preta. “É como se fosse um grito: estamos aqui, somos bonitos, existimos, podemos ocupar outras páginas de jornais e revistas que não sejam as policiais.”
Por fim, o professor acredita que as discussões sobre identidade negra e antirracismo na escola e na sociedade deveriam ir muito além de um mês específico no calendário. “A consciência negra é todo dia. Não ficamos encaixotados e aparecemos somente em novembro, estamos vivos e trazendo contribuições. A luta contra o racismo nao é só do negro, é de todos.”
Conheça mais sobre o projeto Negritude em Versos e Imagens.
Autor: Danilo Mekari
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.