Crianças da educação infantil usam desenhos e personagens para expressar livremente seus sentimentos. Durante o intervalo, alunos do ensino fundamental desenvolvem sua autoestima enquanto sobem ao palco para apresentar talentos. No pátio, turmas do ensino médio fazem performances com temas de saúde mental. Com ações diversas, voltadas para todas as etapas da educação, as artes na escola promovem a auto expressão e o respeito às diversidades, além de ajudar a criar um clima de paz.
“A arte permite que você coloque suas ideias, suas singularidades, seu lado afetivo. Promove um espaço onde você vai gerir os conflitos e, assim, conseguir fazer uma sociedade melhor”, afirma Flaviane Malaquias, professora de artes em Belo Horizonte, nas redes municipal e estadual. Para isso, ela afirma que é preciso ter intencionalidade pedagógica. “No meu trabalho, eu sigo alguns princípios, trago questões de direitos humanos, de relações etnico-raciais, convivência democrática.”
Com experiência desde o ensino infantil até o médio, incluindo alunos da EJA, Flaviane sabe que em vários contextos as artes acabam sendo desvalorizadas. Na sua luta pela conscientização da comunidade escolar sobre o poder desse componente, a professora também apresenta exemplos reais de como a arte afeta positivamente o clima escolar.
“Faz 12 anos que eu desenvolvo em uma escola de ensino fundamental o projeto sexta cultural, em que os alunos apresentam seus talentos: quem é músico toca, quem é poeta declara, quem é dançarino dança. As apresentações promovem a integração das pessoas e a autoestima dos estudantes”, conta.
Nem todos se apresentam, mas a escola inteira acaba aprendendo a respeitar e até admirar quem sobe ao palco. “Tivemos um aluno com autismo severo que cantava nesse recreio. Ele se sentia bem naquele espaço, e os outros tinham um olhar de perceber como ele era corajoso. Ele já se formou, mas até hoje liga para mim e pergunta se a escola mantém o projeto”, diz Flaviane.
Em vez da busca do belo e da perfeição, o trabalho com artes na escola deve ter como objetivos a abertura ao novo e o fortalecimento da expressão. “Na escola, sentimos muito forte o compromisso com a performance. Mesmo as crianças do infantil já são apegadas à busca do belo. Quando convidamos elas a desenharem, mas sem usar borracha, metade da turma costuma entrar em sofrimento”, conta a psicóloga escolar Gabriela Giostre. Esse “sofrimento” faz com que muitas fiquem paralisadas, dizendo-se incapazes, antes mesmo de fazerem o primeiro traço.
Por isso, é necessário um esforço dos docentes para apresentar a arte como uma possibilidade de se expressar com mais liberdade do que em situações cotidianas, e não como um conjunto de técnicas para chegar a um resultado estético ideal. “Claro que a gente pode sentar e conversar com os alunos para eles dizerem o que sentem. Mas às vezes falta repertório para dizer e até entender o que eles sentem. A arte expande os canais expressivos, desperta a sensibilidade”, defende a psicóloga, que trabalha no Carlotas, programa que usa as artes para desenvolver a empatia.
Nesse sentido, todos os professores podem usar as artes como uma plataforma de desenvolvimento dos alunos, não precisa ser algo exclusivo dos docentes de artes. Eles podem trabalhar com os recursos que estão mais acostumados, como colagens, argila, jogos corporais, música, desenhos, ou até mesmo explorar as habilidades preferidas dos estudantes. “É sempre bom fazer uma pesquisa para ampliar repertório. Mas o importante é usar a arte no processo de aprendizagem, focando na construção de um espaço confortável, tentar encorajar sem um compromisso com a perfeição”, explica.
Artes e saúde mental
Também é importante considerar que questões de saúde mental e convivência são transversais. No primeiro semestre do ano, o professor de artes Emanuel Coringa desenvolveu com três turmas de ensino médio um projeto artístico/pedagógico denominado “Cuidado”, em que os estudantes fizeram performances sobre o assunto. “Trabalhamos sem perder o foco de que ali se trata também de uma disciplina de artes, espaço para aprender, por exemplo, sobre cenografia, figurino, atuação, dramaturgias”, cita o professor.
Ele garante que tudo se encaixou e foi relevante para quem o executou e presenciou as apresentações artísticas. “É uma temática de nível universal, que atravessa o nosso território”, diz Coringa.
Para começar, ele fez uma pesquisa de opinião com os estudantes para saber se o tema era de fato relevante. Ao perceber que sim, o trabalho foi desenvolvido junto à psicóloga escolar e a uma psicóloga de Pau dos Ferros (RN). Os estudantes tiveram que pesquisar sobre o tema e sobre artistas que já abordam a saúde mental em seus trabalhos. Criaram cenas, fizeram figurinos, construíram cenários, experimentaram, até realizaram performances na escola. Para aumentar o alcance das obras, ainda filmaram e colocaram na internet.
Ao aceitar abordar publicamente questões que normalmente são de foro íntimo, o impacto se deu tanto no individual como coletivo, defende o professor. “Trabalhamos a falta de saúde mental, suas causas e consequências. Onde estão os gatilhos? Em casa, na internet, nas ações de bullying e no preconceito, seja na escola ou em outros locais. Também abrimos possibilidades de reflexão, intervenção comunitária, melhoras e curas relacionadas à arte. Refletir como eu estou por dentro impacta no conjunto, que somos nós”, diz Coringa.
Autora: Luciana Alvarez
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.