Brincar ao ar livre, com amplo espaço para movimentos e estímulos variados, é uma maneira das crianças se desenvolverem, aprenderem e, claro, se divertirem também. Para os pequenos, todo tipo de brincadeira é proveitoso, mas aquelas que ocorrem fora de ambientes fechados também estimulam o contato com a natureza, a cidade e a sociedade.
Dentre os principais benefícios do brincar ao ar livre, destaca-se o estímulo à autonomia. “Não é um espaço controlado, onde o tempo, os materiais e muitas vezes até a atividade estão pré-definidos. Pelo contrário, é um ambiente aberto, que permite a exploração sensorial, a resolução de problemas e o aprendizado de diversas habilidades, inclusive de limites”, explica Ana Cláudia Arruda Leite, assessora de infância e educação do Instituto Alana.
Brincar é assunto sério – e cabe aos adultos dar condições para que as brincadeiras ao ar livre aconteçam. Não faltam comprovações da importância desse tipo de atividade. “Estudos e pesquisas mostram os diversos benefícios que a natureza traz para as infâncias, tais como: a criatividade, a concentração e a memória, o equilíbrio emocional, o desenvolvimento dos sentidos (tato, paladar, visão, olfato e audição), a criação de vínculos afetivos saudáveis, o consumo consciente, o sono, o bem-estar físico e a saúde como um todo”, elenca Ana Cláudia.
“Estudos e pesquisas mostram os diversos benefícios que a natureza traz para as infâncias, tais como: a criatividade, a concentração e a memória, o equilíbrio emocional, o desenvolvimento dos sentidos, a criação de vínculos afetivos saudáveis, o consumo consciente, o sono, o bem-estar físico e a saúde como um todo”
Pode não parecer, mas os conhecimentos que as crianças adquirem nesses momentos ajudam até nas matérias escolares. “A experiência ao ar livre pode favorecer a aprendizagem de diferentes conteúdos relacionados ao currículo da educação básica, como geografia, geometria, biologia, artes, e favorecer a educação climática e para a sustentabilidade a partir de vivências reais”, explica a especialista do Alana.
Portanto, a lição de casa para as famílias é permitir que, no período das férias escolares, as crianças passem mais tempo em contato livre com a natureza, em vez de deixá-las na frente das telas. Nem sempre isso é fácil, reconhece Ana Cláudia. “É muito presente em nossa sociedade a cultura do medo, que leva à associação da rua e dos espaços ao ar livre como perigosos, não cuidados, vistos como “espaços de ninguém”, diz.
Existem ainda outras questões culturais que afastam os pequenos do mundo exterior, como a crença de que uma criança quietinha e arrumadinha seja um padrão a ser seguido, constata Érika Mayume Ozahata, diretora do Centro de Educação Infantil Cantinho Tia Isaura, da rede municipal de São Paulo. “Há uma ideia de que a pessoa é boa mãe se seu filho for bem comportado, não fizer barulho, não quebrar as coisas. Nossa cultura familiar vem carregada de estereótipos sobre as crianças”, defende a pedagoga.
No CEI, as crianças passam muito tempo explorando a natureza e o parque. Mas essa opção não é a mais “fácil”, seja para as educadoras ou para as famílias, porque elas se sujam, estragam as roupas, ganham arranhões, cortes, galos, etc. “Pode parecer mais simples deixar as crianças confinadas, evitando que elas se machuquem. Mas, quanto mais as limitamos, mais elas se machucam na hora de ir ao parque, porque ficam eufóricas e não sabem lidar tão bem com o espaço”, conta sobre sua experiência.
“Pode parecer mais simples deixar as crianças confinadas, evitando que elas se machuquem. Mas, quanto mais as limitamos, mais elas se machucam na hora de ir ao parque, porque ficam eufóricas e não sabem lidar tão bem com o espaço”
Portanto, quanto mais as crianças vão explorando – e se machucando – mais vão aprendendo a ter cuidado e, então, machucam-se menos. “Quanto mais liberdade, mais habilidades elas ganham. O papel do adulto é ficar por perto, observar os movimentos. Se fazem algo perigoso, temos que estar a postos; se conseguem fazer o que queria, ótimo. Se não, temos que reforçar a importância da atenção e do cuidado, mas não limitá-la”, diz Mayume.
A diretora conta que, para conseguir dar conta de olhar várias crianças curiosas, destemidas e cheias de energia na escola, o trabalho em conjunto é essencial: há um combinado entre a equipe que cada criança é responsabilidade de todos. Assim, não importa de quem é o aluno, se uma criança precisar de atenção ou cuidado, quem estiver mais perto acode. A dica serve também para as famílias, que podem combinar de ir juntas a um parque, ajudando-se mutuamente.
Mayume diz ainda que ao aprender o que machuca no mundo, aprende-se também a respeitar o outro. “Se a criança só anda em locais emborrachados, onde cai e não machuca, ela não sente uma consequência, não vai se preocupar com o tombo. E vai além dela mesma, porque se ela sabe que cair dói, quando for empurrar um amigo, também vai entender que pode machucar o outro”, explica.
Na sua vivência diária com 150 bebês e crianças, ela sabe que além de ter que separar algumas brigas, o adulto que permite a brincadeira ao ar livre pode presenciar momentos de interação lindos, com uns cuidando dos outros. “É comum ao verem um amigo chorando, a criança perguntar o que aconteceu, onde está doendo, tentar ajudar”, orgulha-se a diretora.
Ana Cláudia, do Alana, concorda que os momentos ao ar livre ajudam a criar vínculos e ensinam a todos os envolvidos. “Juntos, crianças e adultos, fortalecem assim sua conexão com a natureza e constroem resiliência, quando os riscos são vivenciados de forma segura e consciente, ao invés de serem uma barreira intransponível”, diz.
Autora: Luciana Alvarez
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.