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Brincar, educar e aprender na escola

Para entendermos a importância do brincar e sua relação com a criatividade, tomarei como ponto de partida um comparativo com o trabalho. “Brincar é o trabalho da criança”, disse Maria Montessori, psiquiatra e educadora cuja teoria e prática contribuíram com muito do que hoje conhecemos sobre desenvolvimento infantil.

Pela ótica da produtividade, é verdade: assim como o trabalho é a via de expressão da capacidade produtiva dos adultos, o brincar também o é para as crianças. Enquanto brincam, meninos e meninas produzem conhecimento sobre si mesmos e sobre o seu redor. Elaboram hipóteses, imaginam cenários, contestam, respeitam ou inventam novas regras. Produzem mecanismos próprios de como se relacionar com pessoas, objetos, natureza – em diferentes contextos. Produzem saberes e noções por meio dos quais apreendem uma cultura e se capacitam criticamente para interferirem sobre ela, transformá-la, ampliá-la.

Tornam-se, portanto, sujeitos produtivos, através do brincar.

Vista por uma ótica sistêmica, em referência às funções e responsabilidades, o brincar de fato se assemelha ao trabalho: assim como o trabalho representa o que todo adulto deve “fazer” para garantir a manutenção do sistema social, o brincar é exatamente a única “obrigação” da criança direcionada a este mesmo fim.

Assim como o trabalho é para os adultos, o brincar é, para as crianças, sua principal via de relacionamento com o mundo e de transformação dele.

Mas o propósito do brincar vai além disso e, portanto, é preciso abrir brechas de discordância com a famosa frase atribuída a Montessori.

Ao contrário do trabalho, o brincar não precisa de uma capacitação prévia. Não há o que ser ensinado à criança para que ela brinque nem muito menos deveria – o brincar – ter tempo ou horário para começar e terminar. Portanto, falar de brincar na escola merece um cuidado. Na Educação Infantil o brincar não é uma disciplina, ele é a base de todos os processos de aprendizagem que acontecem neste período. Por isso os ambientes lúdicos são tão necessários, principalmente, os não estruturados – geralmente caracterizados pelas áreas externas, de contato com a natureza – que convidam para o brincar mais livre e que dispõem de uma infinidade de possibilidades interventivas e criativas.

Um espaço verde ou uma sala que disponha mais de recursos versáteis do que de brinquedos prontos é muito mais estimulante do ponto de vista do brincar e da criatividade do que uma sala que tenha um cenário prévio determinado. Isto porque brinquedos e cenários sugerem brincadeiras específicas. Já os blocos de madeira, os retalhos de tecido ou papel, as caixas, os potes, bem como a infinidade de coisas que podemos encontrar num jardim (folhas secas, flores, galhos, bichos, terra) apresentam um espectro de possibilidades de uso, intervenção e criação muito maior.

O brincar é uma capacidade inata da criança. Enquanto brinca, ela explora todo seu potencial. Conhece o que gosta e o que não gosta. Percebe o que já consegue e lida com suas limitações. O brincar é o principal fomento de seu potencial criativo e a principal atitude de encontro consigo mesma, portanto, de autoconhecimento.

Talvez, se nossas crianças tivessem seu brincar tão respeitado e valorizado como é o trabalho dos adultos, nós todos poderíamos vivenciar, um dia, “trabalhos” mais agradáveis e sustentáveis (do ponto de vista da saúde mental). Isso porque, enquanto brincam, as crianças ganham intimidade com seus interesses intrínsecos e desenvolvem estratégias criativas e eficazes de conquista daquilo que almejam. Certamente, quanto mais brincam livremente e são validadas nesse fazer, mais chances elas têm de crescerem capazes de reconhecer aquilo que lhes brilha os olhos e para o quê de fato têm talento e, ainda, capazes de fazer disso um diferencial, um destaque. Crianças que brincam com autonomia e respeito identificam com mais facilidade o propósito de sua existência neste mundo e se constituem seres de realização e transformação a partir de seus potenciais criativos únicos!

Por isso a escola, como ambiente de imersão da infância, deve ser este espaço de cultivo do brincar livre e autônomo.

BIANCA SOLLÉRO

Psicóloga e arteterapeuta, também graduada em Licenciatura das Artes Visuais pela UFMG (2008) com aperfeiçoamento em Gestão de Pessoas pela FGV.

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