O faz de conta, uso de fantasias e estímulo a curiosidade e imaginação são naturais do período da infância. Educadores podem aproveitar época do carnaval para engajar comunidade escolar e promover vivências que vão além do confete e serpentina
Papéis noéis e bonecos de neve mal deixaram as prateleiras de lojas de enfeites e já são logo substituídos pela próxima festa do calendário: o carnaval. Em janeiro e fevereiro, multiplicam-se adereços, enfeites e fantasias. Além dos foliões, a época também é aproveitada por crianças, que usam a data para liberar a imaginação e brincar de faz de conta.
Mas por que será que a grande maioria das crianças gosta tanto de se fantasiar? Qual é o atrativo de colocar uma roupa e assumir uma nova personalidade? Isso contribui para o processo de desenvolvimento? Para Adriana Friedmann, antropóloga, educadora especialista na temática da infância e do brincar, coordenadora de cursos de pós-graduação e autora de livros como A Arte de Brincar e A vez e a Voz das Crianças, o ato de se fantasiar é de extrema importância e essa vontade integra o processo de desenvolvimento de cada um.
“A imaginação, a fantasia, o faz de conta são fundamentais, principalmente nessa época de carnaval, porque se trata do brincar, e já sabemos, há muito tempo, que o brincar significa tudo”, comenta.
“A imaginação, a fantasia, o faz de conta são fundamentais, principalmente nessa época de carnaval, porque se trata do brincar, e já sabemos, há muito tempo, que o brincar significa tudo”
Épocas como o carnaval são importantes para legitimar e autorizar as pessoas a acionarem a sua imaginação. Isso é o que também reforça Gisela Wajskop, socióloga, pós-doutora em educação e pesquisadora colaboradora internacional do Ontario Institute for Studies in Education, da Universidade de Toronto (Canadá). Com esse estímulo, é possível brincar de se adornar, se fantasiar e se tornar outro por um período.
De acordo com a educadora, os seres humanos aprendem a partir da experiência. Nesse sentido, a brincadeira e o faz de conta – potencializados pelo uso de fantasias – legitimam o processo de aprendizagem.
“A imagem e a ação vão acontecendo porque,ao colocar alguns adereços e adornos, as crianças tomam o pequeno pelo todo. Ou seja, se colocam um rabo, viram um macaco; se colocam uma barbatana viram um tubarão. Elas se atraem bastante pelo carnaval, especialmente porque é uma festa que autoriza elas a fazerem aquilo que é espontâneo, que é aprender pela possibilidade de se colocar no lugar do outro.”
A fantasia e o faz de conta, além de estimular a imaginação, contribui também para o desenvolvimento socioemocional das crianças, que aumentam suas habilidades de tolerância e respeito ao diferente.“Quanto mais as crianças exercem outros papéis e percebem que podem voltar a ser quem são, vão manipulando suas possibilidades de pensar no lugar de outras pessoas”, aponta Gisela.
Carnaval: oportunidade para as escolas
Diretora da Escola do Bairro, em São Paulo, que atende da educação infantil ao ensino fundamental, Gisela comenta que as escolas podem ir muito além de tocar músicas de carnaval, jogar confete e serpentina. Para ela, a época representa uma verdadeira possibilidade de explorar costumes e tradições brasileiras de diferentes regiões, com a escola cumprindo seu papel de ampliar o universo e repertório cultural das crianças.
Uma alternativa é elencar alguns temas do carnaval, como mitos indígenas e afrodescendentes, ou até mesmo fazer uma seleção de músicas, marchinhas e ritmos musicais, como o frevo e o samba, e promover processos de estudos aprofundados e dinâmicos, que realmente engajem os estudantes. São alguns caminhos: ler uma história em roda, ver vídeos e filmes, pesquisar fotografias, ouvir as músicas de época, pesquisar sobre quem escreveu as canções, observar as fantasias utilizadas e o tipo de dança, entre outros.
Assim, é possível que, a cada ano, a escola vivencie um período e região diferente do carnaval: se em um ano é celebrado o frevo de Recife da década de 1930, no outro as crianças vivem o carnaval carioca da década de 1950, ou até mesmo os carnavais de salão.
“Além das crianças brincarem, elas precisam se imaginar naquela época e podem enfeitar a escola inspirados nas temáticas de diferentes momentos históricos”
“Além das crianças brincarem, elas precisam se imaginar naquela época e podem enfeitar a escola inspirados nas temáticas de diferentes momentos históricos. O carnaval, então, sai de uma perspectiva muito estereotipada, e ajuda as crianças a entenderem o carnaval como uma festa tradicional que, em cada tempo e espaço, é diferente.”
Adriana completa essa sugestão, ao defender que todos esses processos podem ser feitos com a colaboração dos próprios estudantes. “Se hoje em dia estamos tão preocupados em ouvir as crianças, que possamos construir enredos, histórias e fantasias junto com elas e suas famílias. Não é o adulto fazendo pela criança, mas fazer em conjunto é extremamente importante e interessante.”
Também é fundamental que os educadores estejam em contato próximo com as preferências de cada aluno de sua turma, já que alguns podem não gostar de se fantasiar ou de dançar. Estar atento aos gostos e habilidades individuais pode ajudar que o educador aproveite o potencial de cada criança para criar o enredo e a festa com a participação de todos.
“Eu entendo que o mais importante é respeitar essa espontaneidade. Por se tratar de uma festa, para criança aderir, para criança ter vontade, ela não pode ser obrigada. Não pode ser algo direcionado, mas justamente [deve] promover esse momento de liberdade, de autonomia, de alegria e cada um se expressar com seu corpo, com suas mãos, com o seu jeito de contar a história, de uma forma totalmente singular, individual e, ao mesmo tempo, entendendo que está no coletivo”, aponta Adriana.
Colocando a mão na massa
Quando o assunto é fantasia, as duas especialistas em educação concordam que não é necessário comprar os trajes prontos, já que a imaginação também pode ser muito estimulada no processo de criar a própria roupa para a folia. Jornal, tinta, barbante e fio de nylon, podem, juntamente com um pouco de tempo, dedicação e disposição, se transformar em muitos adereços, como uma asa de borboleta.
“O bonito do carnaval é que, muitas vezes, a criança pode, mesmo com a ajuda dos adultos, confeccionar sua fantasia. Em cada faixa etária, elas podem ter atribuições diferentes de acordo também com suas possibilidades. Esse processo de fazer tudo manualmente promove integração e visibilidade das habilidades e potenciais de cada um”, aponta Adriana.
Gisela, por sua vez, comenta sobre a importância de aproveitar a época para promover a circulação dos saberes de determinada comunidade. Ou seja, incentivar que estudantes levem perguntas temáticas do carnaval da escola para suas famílias – pais, mães, tios e tias, avós, avôs e padrinhos -, além de fazer um chamamento para que essas pessoas venham à escola.
“As festas aglutinam a comunidade. O carnaval tem essa vantagem cultural e educativa, e, se a escola souber aproveitar, pode chamar toda a comunidade para participar, afinal o carnaval é cultura e memória a partir de uma transmissão geracional.”
Autora: Maria Victória Oliveira
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.