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ChatGPT é surpreendente, mas precisa de um olhar crítico na escola

O lançamento do ChatGPT inaugurou uma nova etapa na relação entre tecnologia e educação. A ferramenta, capaz de responder a comandos feitos por humanos por meio de Inteligência Artificial (IA), teve uma recepção pública tão estrondosa como diversa, sendo enxergada com potencial educativo por alguns e com potencial destrutivo por outros.

Afinal, como a comunidade escolar deve estar preparada para a absorção dessa e de outras tecnologias baseadas em dados e algoritmos? Como essas ferramentas podem ser aliadas ao processo de ensino, principalmente quando o assunto é educação midiática? De que forma elas podem impulsionar uma aprendizagem criativa?

Para responder essas questões, conversamos com Alexandre Sayad, educador e mestre em Inteligência Artificial e Ética pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ele é diretor e fundador da ZeitGeist Educação e consultor na área de educação midiática, além de membro do conselho consultivo do Educamídia, programa de formação em educação midiática do Instituto Palavra Aberta com apoio do Google.org.

Alexandre Sayad

Confira a seguir a entrevista com Alexandre Sayad: 

Quais são os principais usos da Inteligência Artificial na educação?

Alexandre Sayad: Dividiria em duas áreas: a primeira está ligada à gestão da aprendizagem em sala de aula. Alguns sistemas de IA são utilizados na personalização e no mapeamento das aprendizagens – embora haja controvérsias dentro deste tema. Quando falamos de sistemas de ensino adaptativos, onde o aluno entra em uma plataforma e vai tentando resolver a questão de diversas maneiras – por vídeo, texto, jogos etc -, a ferramenta vai personalizando o caminho dele e também produz um relatório para o gestor, dizendo como está a aprendizagem naquela sala, pois pega todos os dados dos alunos.

Com isso, o sistema público de educação pode mapear, com muita precisão, áreas da cidade, escolas e até mesmo salas que têm mais dificuldade em produção de texto, por exemplo. Isso tudo acontece por que, por meio da IA, a plataforma consegue comparar as maneiras que os estudantes evoluem nos temas. Há um outro uso de gestão, menos explorado, que é quando a IA cataloga soluções educativas para a escola, na organização de objetos de aprendizagem, por exemplo. 

Do lado do estudante, ele terá contato com IA tanto dentro da sala de aula como fora, em sua vida, pois ela está embutida em muitos sites e aplicativos que a gente usa cotidianamente, desde a ferramenta de busca do Google até as redes sociais. A IA também pode estar presente em alguma aplicação específica que a escola utiliza. 

Recentemente, porém, o ChatGPT entrou como uma voadora no joelho de todo mundo. Ele faz parte de uma família da IA que é a mesma daquela utilizada para o preenchimento automático de palavras.

E quais as questões éticas e controvérsias diante desse uso?

Alexandre Sayad: Hoje, a IA medeia a nossa relação com o mundo. O primeiro impacto ético é esse. Resgato aqui a crítica da Escola de Frankfurt para a televisão, que era enxergada como uma mediação passiva diante do mundo. A IA de uma rede social, por exemplo, seleciona temas que estão mais próximos do que você habitualmente está vendo, e isso significa que você, aos poucos, perde contato com aquilo que é diferente, gerando um impacto na leitura de mundo. Existem comandos e estratégias para você não depender desse comando da IA, mas para uma criança educar o algoritmo é muito complexo. Esse é um impacto ético bem filosófico.

Tem também alguns mais práticos e evidentes, como a distribuição de desinformação. Muita gente costuma falar que a fake news se utiliza da IA para chegar aos usuários, mas não é bem assim. A IA faz parte da estratégia de disseminação de conteúdo falso, pois ela seleciona e recorta o público para onde será direcionado. As tecnologias de IA também estão ajudando na falsificação de imagens, fotos e vídeos, deixando esse processo – antes complexo e restrito apenas a profissionais – acessível a todo mundo.

Outro aspecto muito importante é sobre a utilização de dados dos usuários, pois o algoritmo da IA se alimenta de dados. Para onde vão, quem tem acesso, como são utilizados? Temos a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que é muito boa, assim como o Marco Zero da Internet, mas a maneira como a IA se apresenta hoje em seu desenvolvimento tensiona mais essas legislações, que precisarão de atualizações.

Por fim, a curadoria e seleção de informação é algo que a humanidade sempre viveu. A discussão sobre livre arbítrio já é, de certa maneira, um debate sobre liberdades de escolha. A gente nunca teve acesso a tudo, mas a IA acentua muito essa questão, e isso pode significar tolher escolhas por falta de conhecimento.

Recentemente já acontece um crescente uso de tecnologias no espaço escolar. Com o avanço da IA e a chegada do ChatGPT, o que pode mudar nesse cenário?

Alexandre Sayad: É bom frisar que já estamos em uma nova geração de produtos de tecnologia educacional. Grande parte dos produtos vendidos nesse mercado são baseados em dados.

Hoje em dia temos que ser mais rigorosos e criteriosos, sobretudo os gestores que contratam o serviço de tecnologia escolar. Como o algoritmo de IA é baseado em dados, estamos falando de dados de menores de idade. No Brasil temos o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que protege os dados de crianças e adolescentes – e como estamos lidando com uma massa de 30 a 40 milhões de estudantes, o gestor precisa ser muito criterioso com o que pode ou não ser feito nesta plataforma. 

Agora sobre a IA, ela tem que entrar na escola dentro do contexto de uma educação midiática e de cidadania digital, ou seja, é preciso colocar esse tema para o estudante entender como funciona, sem mistificar. Eles precisam entender que estão interagindo com algoritmos, e não com seres humanos, e isso implica em toda essa série de impactos éticos.

Como você enxerga a possibilidade de a IA ajudar no aprofundamento do tema da educação midiática?

Alexandre Sayad: Ainda falta um pouco para a IA entrar nesse ambiente da educação midiática. Ainda falamos dessa educação de uma maneira industrial, sem algoritmo. Defendo que desmistificar significa utilizar, ou seja, incentivo o uso monitorado do ChatGPT em sala de aula, fazendo exercícios e comparando, mostrando como ele funciona, explicando que não é mágica. Isso pode, inclusive, ser um disparador de criatividade e um suporte ao professor.

Quem conhece e usa sabe que o ChatGPT não é tudo isso que estão falando. Ele é surpreendente, e ainda vai melhorar, mas precisa de revisão e de um olhar crítico. Ele traz informação falsa, muitas vezes faz a mineração de informações de maneira errada e, com isso, traz resultados que não são bons. Mas acredito que, cada vez mais, teremos aplicativos que identificam com facilidade se aquele texto foi produzido por uma IA, pois ela trabalha com padrões, e isso é muito fácil de ser identificado. Já existem alguns desses, por sinal.

Por outro lado, o ChatGPT pode entregar algumas coisas mais funcionais, fazer pesquisas de gestão escolar, práticas de fluxo de trabalho e facilitar uma reunião. No ensino superior, ele está sendo utilizado como um assistente acadêmico. 

Na minha visão, você realiza educação midiática utilizando a mídia, e não deixando ela de fora. A primeira coisa que deve ser feita é desmistificar e utilizá-lo de maneira crítica junto com os alunos, propondo desafios entre o que é produzido em grupo pelos estudantes e o que o chat produz, cruzando os dados e comparando os resultados. 

Tem muito motivo para se trabalhar isso em sala de aula. Para mim, pior que trabalhar sem criticidade é deixá-lo de fora, pois aí você cria um monstro, um mito.

Acredita que o uso de IA pode ser um fator estimulante à criatividade dos estudantes?

Alexandre Sayad: Sim. Se você cria desafios entre o que é produzido pela IA e o que o humano produz, e questiona isso, existe um potencial muito grande para a criatividade. 

Para além do ChatGPT, a IA já produz criadores de imagem, como o Midjourney. Isso abre uma oportunidade de diálogo sobre a criatividade humana, até mesmo de discutir o que é criatividade humana. Afinal, o que é feito pelo algoritmo? O que é feito por humanos?

Por fim, é interessante notar que tudo o que o algoritmo faz, no fundo, são pedaços de coisas que foram feitas por humanos. Ele vai pegar informações que foram imputadas por humanos. Toda essa miscelânea é algo muito interessante e promissor de se trabalhar nas escolas.

Autor: Danilo Mekari

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

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