Quantas vezes você já ouviu a frase: “criança quando está muito quieta está aprontando”? A colocação pode até ser verdadeira, em alguns casos, mas por que não pensar também que ela pode estar aprendendo? A verdade é que ninguém nasce criativo e que isso se desenvolve de acordo com experiências durante a vida. Especialistas acreditam que nesse momento de liberdade é quando as crianças mais aprendem.
“A criatividade é um atributo inerente ao ser humano, porém, não é algo programado e você tem que deixar que cresça e se desenvolva. Bebês e crianças pequenas são exploradores, curiosos e investigadores”, destaca a mestre em educação Maria Thereza Marcílio, presidente do Avante – Educação e Mobilização.
“A criatividade é um atributo inerente ao ser humano, porém, não é algo programado e você tem que deixar que cresça e se desenvolva”
“Se você só reproduz processos sem a possibilidade de criação, você acaba não exercitando essa criatividade. Seguir instruções é importante, mas explorar ideias é ainda mais [necessário] nessa primeira infância”, diz a especialista em primeira infância Carol Velho, pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.
Escola e família precisam andar juntas
Em contraste aos momentos de livre exploração, o controle excessivo das atividades infantis pelos adultos pode acontecer tanto no ambiente doméstico quanto no escolar. Porém, nada disso é bom para o exercício da criatividade em crianças pequenas.
Ao mesmo tempo, essa liberdade para a criança se descobrir não pode ser confundida com a ausência de pais, mães e professores no processo de exploração. A coordenadora pedagógica Paula Penteado, do Centro de Educação Infantil (CEI) Vila Inglesa, na zona sul de São Paulo (SP), explica que a participação de adultos nas brincadeiras pode estimular respostas novas e criativas das crianças.
“O adulto funciona como um parceiro mais experiente quando se propõe a brincar junto, e não a conduzir a brincadeira. Por exemplo, antes do novo fechamento das escolas, uma das turmas [do CEI] estava muito preocupada com o Lobo Mau em uma área externa verde que temos na unidade. Começamos a nos esconder, mas propus que montássemos armadilhas para pegá-lo. Então, iniciou-se o processo criativo de pensar como deveria ser uma armadilha de pegar lobo mau”, diz.
Brinquedos “prontos” podem ser prejudiciais
Se por um lado, brincadeiras como a desenvolvida no Centro de Educação Infantil Vila Inglesa estimulam a imaginação, brinquedos coloridos, automáticos e caros, apesar de serem objetos de desejo de crianças das mais variadas idades, nem sempre contribuem para esse processo. As especialistas alertam que brinquedos que não dão à criança a oportunidade de ressignificá-lo, não são bons para a descoberta de novas possibilidades e respostas.
“A sociedade consumista é anti-criatividade. Você oferece muita coisa, produtos prontos e acabados que não têm graça, e as crianças se cansam rapidamente”, pontua Maria Thereza.
Paula concorda e destaca a importância do que ela chama de “materiais de largo alcance”, que não tem uma finalidade específica para atividades infantis, e aponta que muitas vezes os brinquedos totalmente acabados limitam até mesmo a narrativa da brincadeira.
“Blocos de madeira, pedaços de tecido, tubos de PVC, rolos de papelão e outros elementos possibilitam que criemos coisas inimagináveis”
“Blocos de madeira, pedaços de tecido, tubos de PVC, rolos de papelão e outros elementos possibilitam que criemos coisas inimagináveis. Além disso, não existe apenas a boneca, mas a boneca que fala mamãe. Tira-se da criança a oportunidade de ser tia, irmã, avó e filha da boneca. Ela tem quase a obrigação de ser mãe do brinquedo. Quanto mais estruturado e caro o brinquedo, menor a chance da criança ser criativa”, aponta.
Diálogo com os pais é essencial na pandemia
Desde março de 2020, o Brasil e o mundo vivem um período de pandemia de Covid-19 que alterou a dinâmica da vida de todos. Com as crianças não está sendo diferente: muitos bebês que nasceram na pandemia saíram de casa pouquíssimas vezes em um ano, e as crianças pequenas tiveram a convivência com outras muito afetadas. Tudo isso pode interferir no desenvolvimento intelectual e criativo dos pequenos.
Apesar de famílias de diversas faixas de renda terem vivenciado dificuldades neste período, Maria Thereza reforça que a falta de coordenação de políticas públicas afeta diretamente as mais pobres. “A pandemia iluminou desigualdades e diferenças absurdas em uma sociedade que tem muitos problemas para resolver. Ela atinge diferentes grupos, mas nos mais vulneráveis a situação ficou muito mais difícil pelo lado das necessidades vitais.”
“A gente precisa aprender a julgar menos as crianças e a aprender mais com elas. Se em casa eu der a chance para que meus filhos brinquem, sozinhos e comigo, vou ser capaz de perceber de fato o quanto são criativos”
O momento, contudo, pode ser central para que os adultos afinem mais o olhar para um melhor desenvolvimento criativo das crianças e aprendam mais com elas nesse período maior que estão passando juntos. “A gente precisa aprender a julgar menos as crianças e a aprender mais com elas. Se em casa eu der a chance para que meus filhos brinquem, sozinhos e comigo, vou ser capaz de perceber de fato o quanto são criativos”, aponta Paula.
Um dos exercícios pode ser incluir as crianças nos afazeres domésticos, sempre de modo seguro e lúdico. “A pandemia prejudica porque ela restringe não só fisicamente, mas psicologicamente e emocionalmente essas experiências. É preciso ter um tempo e uma dedicação psíquica, e não só física. A minha dica é incluir as crianças o máximo possível nas questões do cotidiano, então se eu for pra cozinha fazer o almoço, incluir as crianças nisso. Brincar e ouvir histórias juntos e, caso possível, com toda a segurança, estar em contato com a natureza é essencial”, conclui Carol.
Autor: Bruno Pavan
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.