A ideia de que o estudante seja capaz de reconhecer e lidar com as suas emoções está presente nas 10 competências gerais da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), principalmente na de autoconhecimento e autocuidado. Mas é preciso questionar se as escolas têm ensinado seus alunos a lidar com a frustração e a aceitar o erro como um fenômeno natural da aprendizagem.
Quem faz essa provocação é Claudia Siqueira, diretora pedagógica do Instituto Sidarta. Para ela, é fundamental que as escolas analisem a forma como o erro é discutido no ambiente escolar e consigam educar as crianças para lidar com isso. Principalmente, porque nós aprendemos através do acerto e também do erro.
Jason Moser, Ph.D. e professor de neurociência na Universidade do Estado do Michigan, ao estudar os mecanismos neurais do cérebro quando cometemos erros, descobriu que, quando erramos, sinapses são ativadas, indicando o aprendizado de algo. “Quando você erra, erra porque está tentando, então você não está paralisado diante de uma situação desafiadora”, explica Claudia.
“A gente precisa mostrar para a criança que errar faz parte e que ela pode corrigir, revisar, revisitar o que ela fez”
Isso não significa que os erros não devam ser sinalizados para as crianças — seja na escola ou em casa. É o que aponta Rochele Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia e membro da equipe de coordenação nacional da Rede Nacional de Ciência para a Educação.
“Temos uma falsa crença de que os pais não devem sinalizar o erro”, comenta a neuropsicóloga. “A gente precisa mostrar para a criança que errar faz parte e que ela pode corrigir, revisar, revisitar o que ela fez.”
Espaço para o inesperado
Gustavo Borba, professor do curso de Design da Unisinos e diretor do Instituto para Inovação na Educação, explica que o processo de inovação tem como pressuposto a novidade. Uma inovação pode ser incremental, modificando algo que já existe, ou radical, que exige um processo de descolamento do que conhecemos.
Nesse segundo caso, vamos para o lugar do questionamento e do desprendimento da realidade e estamos mais passíveis ao erro. “Eu acho que a palavra erro tem uma conotação bastante negativa. Prefiro trazer essa coisa de não estar tão planejado e dar espaço para o inesperado”, explica o professor.
Ele também pondera que, mesmo sendo importante construir espaços abertos às possibilidades, isso pode ser um grande desafio para todos os professores. “Essa questão de se abrir para um espaço do inesperado não é tão simples, mesmo para nós, professores, porque fomos educados numa lógica que não promove isso”, explica Gustavo.
“Essa questão de se abrir para um espaço do inesperado não é tão simples, mesmo para nós, professores, porque fomos educados numa lógica que não promove isso”
Para ele, o caminho é promover um espaço educacional, seja ele na escola ou na universidade, que dê abertura para o exercício, a tentativa e também o erro. “Eu não quero que um engenheiro vá lá depois que é um profissional e teste o cálculo de uma estrutura”, brinca o professor, mencionando uma dentre as ocupações não tão abertas ao erro.
Como educar crianças a lidarem com o erro?
Do ponto de vista da escola, Claudia reforça que é preciso discutir com as equipes, e até mesmo com as famílias, o lugar do erro no processo de aprendizagem, tendo a neurociência como aliada. Além disso, é fundamental ter um olhar para como as competências socioemocionais vêm sendo trabalhadas.
“Uma escola que não valoriza uma aprendizagem socioemocional vai ter um grande desafio de lidar com o erro dentro do processo de aprendizagem”, conclui.
Rochele, por sua vez, identifica três aspectos importantes de serem desenvolvidos desde a infância:
- Flexibilidade cognitiva: permite olhar algo sob diferentes ângulos, inclusive o erro, além de permitir a criatividade e a alternância de tarefas. Ela é trabalhada ao oferecer diferentes atividades para a criança. “Ela pode fazer um ditado, copiar as palavras de um livro, escrever do jeito dela, e depois brincar de professora, corrigindo a gente. Daí o erro e o corrigir o erro viram situações naturais”, comenta Rochele.
- Postergação de ganhos ou adiamento de recompensas: é uma habilidade de autorregulação emocional que permite entender que não dá para ser imediatista para tudo. “Tudo requer tempo, requer prática, requer um tempo para ser aprendido, inclusive ler, escrever e calcular. Isso significa praticar bastante para depois conseguir fazer isso com menos erros possíveis”, explica a neuropsicóloga.
- Tolerância à crítica: relacionada à autoestima e à autoimagem, é a habilidade que permite a criança a entender que algumas críticas levam a um aperfeiçoamento. “Se as pessoas não analisarem o que eu faço e me derem um retorno sobre o que eu estou fazendo, eu nunca vou aprender a melhorar”, exemplifica.
Além disso, Rochele sugere que, ao apontar o erro, não se faça isso xingando a criança ou agindo com agressividade, o que fragiliza a autoestima dela. O ideal é indicar o erro e mostrar que há caminhos diferentes para o que ela fez. Do contrário, a não naturalização do erro pode levar a problemas como um perfeccionismo que paralisa o indivíduo até psicopatologias, como a depressão.
Autora: Aline Naomi
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.