Imagine uma aula do segundo ano do ensino fundamental sobre as estruturas das folhas. Os alunos podem ver como elas são apenas no livro didático. Mas também podem procurar num jardim diferentes tipos de folhas, observar as cores, sentir as texturas e o cheiro, ouvir o barulho que faz ao se pisar em folhas secas, explorando um novo conhecimento com todo o corpo. Não há muitas dúvidas de que os alunos vão preferir a segunda opção.
Estimular vários sentidos na hora da aprendizagem deixa o processo mais interessante e aumenta a curiosidade dos estudantes. A diversidade de estímulos também ajuda a atender a todos os alunos, pois alguns gostam mais de recursos visuais, outros dos auditivos, dos táteis ou dos olfativos. Apesar de demandar mais tempo do professor, esse tipo de atividade pode render aprendizados mais efetivos.
“Exige um pouco de trabalho a mais, mas traz um ganho. Quando o estudante usa mais sentidos, ou seu corpo como um todo, durante uma situação de aprendizagem, a consolidação dessa experiência na memória é mais forte. Se isso não acontece, precisa de outras formas para consolidar o que foi ensinado: ler mais, fazer mais exercícios, revisar os conteúdos. Tem que fazer atividades que reativem aquela memória de forma mais frequente”, afirma a neurocientista Leonor Guerra, que participa da Rede Nacional de Ciência para Educação (Rede CpE).
“Quando o estudante usa mais sentidos, ou seu corpo como um todo, durante uma situação de aprendizagem, a consolidação dessa experiência na memória é mais forte”
Todo aprendizado modifica o cérebro. Novos estímulos criam novas ligações entre neurônios – as chamadas sinapses -, abrindo um novo caminho na complexa rede de conexões que existe dentro das nossas cabeças. Para que o novo caminho cerebral continue aberto e o aprendizado se consolide, ele precisa ser reativado várias vezes. Uma lição que envolva estímulos diversificados, que venha acompanhada de imagens, sons, cheiros, gostos, ativa diferentes grupos de neurônios, que são diferentes caminhos para o estudante lembrar daquela lição. Isso produz uma memória mais forte.
Claro que nem sempre dá para usar todos os sentidos no processo de aprendizagem. No entanto, há estudos mostrando que uma abordagem multissensorial é possível – e benéfica – até mesmo para alunos mais velhos, no ensino médio.
“Pesquisadores americanos publicaram um estudo sobre estudantes que estavam aprendendo torque (conceito de física relativo ao movimento de rotação de um corpo após a aplicação de uma força sobre ele) em que o professor, depois das explicações, entregou uma roda de bicicleta aos alunos, para aplicarem o conhecimento. Em outros momentos, quando tinham que relembrar o conceito de torque, áreas cerebrais relacionadas às sensações, à motricidade e à compreensão do conceito eram ativadas simultaneamente. O cérebro registrou experiência tátil e motora ao aprender a cinética”, conta Leonor.
Mais do que uma questão de eficiência no aprendizado, Leonor defende que a experiência sensorial é um direito dos alunos. “Imagina estudar sobre uma laranja sem nunca ter pegado em uma laranja, sem sentir a rugosidade da casca, o cheiro, o gosto, ver como é possível espremê-la para virar um suco. Sem isso, fica uma lacuna”, afirma.
Foi justamente a vontade de ampliar a experiência de seus alunos com frutas e outros vegetais que levou a professora Andreia do Nascimento Silva, do Colégio Marista de Aracati, no Ceará, a criar o projeto Horta Sensorial. “Nossa escola tem um espaço privilegiado, com uma grande variedade de plantas e árvores frutíferas. Os alimentos já eram aproveitados na merenda, mas as crianças não frequentavam a horta”, conta.
A ideia surgiu por causa de um grupo de crianças com seletividade alimentar, algumas delas autistas. “Somos uma escola social, que oferece desde o fardamento até a alimentação, que é sempre saudável. Mas algumas crianças recusavam – e as mães mandavam coisas como biscoito recheado, batatinhas fritas. Conversei com as famílias para entender o contexto e aprendi que 70% das crianças com seletividade não conheciam as frutas e legumes in natura”, diz Andreia.
“Imagina estudar sobre uma laranja sem nunca ter pegado em uma laranja, sem sentir a rugosidade da casca, o cheiro, o gosto, ver como é possível espremê-la para virar um suco. Sem isso, fica uma lacuna”
A partir de 2020, Andreia começou a levar as crianças até a horta para que elas participassem de todo o processo, desde fazer o plantio das sementes e acompanhar o crescimento até a colheita. “O projeto começou por causa desse grupo com seletividade, mas a escola toda abraçou a ideia. Hoje, se algum professor vai falar sobre diversidade de animais, já leva a turma para a horta, para eles verem os insetos, as minhocas e tudo mais. Faz parte da rotina da escola, ajudando no aprendizado de ciências à matemática”, relata a educadora.
O Marista de Aracati, que oferece desde a educação infantil até o sexto ano do ensino fundamental, tem cerca de 700 alunos, sendo 47 com deficiência e/ou dificuldade de aprendizagem. E todos se beneficiaram com a Horta Sensorial. “Tinha um aluno que não conseguia nem pisar em folhas secas, não aceitava massinha de modelar na sala. Hoje, com os estímulos da hora, já aceita mexer na areia, usar massinha. Tem aluno sem uma boa oralidade, que na horta consegue se expressar mostrando as coisas, têm crianças com dificuldade de leitura que ficam interessadas em ler os encartes das sementes”, cita a educadora.
E atendendo ao propósito inicial do projeto, agora várias das crianças com seletividade já estão mastigando pedaços de frutas. “A horta está oferecendo uma amplitude de aprendizados e fazendo com que criem memórias afetivas para o resto da vida”, diz.
Design universal na educação
“O modelo transmissivista tradicional trata as aulas como se houvesse uma didática única. Mas as crianças são todas diferentes e aprendem de formas diferentes”, ressalta Regina Mercurio, formadora de educação inclusiva no Instituto Rodrigo Mendes. Para atender a todos, um professor precisa conhecer sua turma e planejar quais são as melhores formas e linguagens de chegar a todos, defende ela.
A ideia de um design universal de aprendizagem, com diferentes estímulos, começou com a arquitetura, na década de 1990. “Os arquitetos se incomodaram em ter que fazer um ‘puxadinho no canto’ para os espaços serem acessíveis a todos. Passaram então a incluir no planejamento dos projetos a acessibilidade – ter uma grande rampa que todos possam usar, por exemplo”, diz Regina.
Na educação, chegar a todos significa variar. “Na hora de apresentar uma informação, se o professor escreve na lousa e tem um aluno com deficiência intelectual que não está alfabetizado, o aluno vai ser excluído. Mas de qualquer forma escrever na lousa é limitado. Um professor pode usar linguagens multimodais, colocar um filme, uma imagem, palavras-chave, fazer maquete”, cita Regina. E essa variação, que acaba explorando múltiplos sentidos, traz vantagens a todos.
Autora: Luciana Alvarez
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.