Exploração, descobertas, testes, competências e novos conhecimentos. Na hora de estimular a imaginação das crianças e construir experiências mais significativas, os micromundos de aprendizagem podem ser grandes aliados do professor.
Para José Valente, doutor pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) e livre docente pelo Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação do Instituto de Artes da Unicamp, o micromundo é uma forma de separar a ideia de mundo, que é complexo e sofisticado, em um subconjunto de objetos, linguagens e atividades. “Você precisa pensar em um contexto, em que linguagem você desenvolve nesse contexto e quais atividades são possíveis de ser desenvolvidas”, complementa o especialista.
O conceito foi criado por Seymour Papert, um matemático e educador que lecionava no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA). Para ensinar matemática às crianças, ainda no final dos anos 1960, ele construiu um software chamado Logo. Nele, os estudantes tinham que mover uma tartaruga em um plano cartesiano com o objetivo de desenhar algo.
“Quando a gente constrói um micromundo e dá às crianças a oportunidade de aprender de forma exploratória, a gente está se aproximando de um jeito mais intuitivo de aprender”
“Papert viu nos computadores o potencial de ensinar matemática sem dar instruções para as crianças”, comenta Marcela Machado, supervisora de Implementação do Programa de Aprendizagem Criativa da Faber-Castell (leia mais aqui), que utiliza os micromundos de aprendizagem como um dos seus pilares, juntamente com a mediação do professor e a conexão com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
“Quando a gente constrói um micromundo e dá às crianças a oportunidade de aprender de forma exploratória, a gente está se aproximando de um jeito mais intuitivo de aprender”, conclui Marcela.
Como criar um micromundo?
Ainda que seja trabalhado dentro de um tema, o micromundo de aprendizagem não é um mero pretexto temático para desenvolver uma atividade. “Não é simplesmente chegar e apresentar um tema para ser desenvolvido. Você tem que criar esses contextos e essas características que definem o micromundo”, reforça José Valente.
Primeiramente, o professor precisa ter domínio dos conceitos que pretende trabalhar com seus estudantes. Assim, ele tem as condições necessárias para pensar nos contextos possíveis para esse micromundo.
Depois, é importante conhecer exemplos de micromundos para entender quais são essas possibilidades. “Se ele não tem a visão do que consiste isso [micromundos], do que pode ser feito, se ele não tem essa experiência, provavelmente ele não vai ter condições de criar novos micromundos”, pontua o especialista.
Por fim, é fundamental entender o repertório dos seus alunos para criar algo interessante para eles (o que se encaixaria no P de paixão da Aprendizagem Criativa) e com atividades e materiais adequados para aquela faixa etária. Não adianta propor algo muito difícil, de forma que as crianças não entendam o que devem fazer, da mesma forma que não seria interessante fazer algo fácil que não fosse motivante.
“Se você coloca, por exemplo, um brinquedo super complicado que as crianças olham e ninguém entende o que é, não engaja, não motiva ninguém, então não adianta”, exemplifica José Valente.
Micromundos de aprendizagem na prática
Ainda que o conceito de micromundo tenha surgido de forma digital — e tenha se consolidado em plataformas como o Scratch —, é possível transpor esse conceito para a sala de aula. No Programa de Aprendizagem Criativa da Faber-Castell, por exemplo, a ideia foi transformar o próprio espaço escolar em micromundos de aprendizagem.
Um exemplo que Marcela dá é o micromundo de “Explorações Submarinas”, trabalhado no primeiro ano do Ensino Fundamental. “Por meio de uma narrativa, elas [as crianças] são levadas a imaginar quem elas são, onde elas estão e por que estão ali. A partir daí elas começam a explorar esse contexto, vivendo esses personagens”, explica Marcela.
São desenvolvidos não só as atividades e os materiais para a elaboração desse micromundo, como também toda uma ambientação da sala de aula de acordo com o tema. “O micromundo nos permite ter uma imersão lúdica num contexto simulado na sala de aula. Ele se conecta com questões imaginativas e inventivas, mas conectadas com o mundo [real] de certa maneira”, pondera Marcela.
Natiele Simões é professora polivalente que trabalha com uma turma do 2º ano do Ensino Fundamental no Colégio Uirapuru, em Sorocaba (SP). Há alguns anos desenvolvendo o Programa de Aprendizagem Criativa da Faber-Castell na escola, ela vê o trabalho com micromundos como uma possibilidade para novas maneiras de pensar, fazer e criar.
Como exemplo, ela lembra do micromundo de “Jovens Arquitetos”, que convida os alunos a construírem abrigos temporários para famílias desabrigadas pela chuva. Geralmente, o contexto é trabalhado em fevereiro, quando a região é atingida por fortes chuvas e a problemática se torna real.
Com esse micromundo, a sala de aula recebe uma ambientação especial e chega a convidar uma professora de outra turma para se transformar em um personagem da contextualização. “Os alunos se envolvem tanto, porque se preocupam com o outro, têm essa consciência social. Eles desenvolvem em grupo os abrigos”, explica Natiele.
Além de criar os personagens dos micromundos de aprendizagem, as crianças também têm uma parte mão na massa em que constroem os abrigos. Nessa etapa, elas aprendem sobre os materiais em Ciências, constroem os abrigos em Artes e ampliam seu vocabulário no Inglês. Ou seja, o micromundo possibilita a integração de todas as disciplinas.
Nos micromundos, a professora percebe que os alunos se engajam muito mais nos projetos. “Percebo que o engajamento se dá por sair do comum da sala de aula e entrar no mundo da fantasia, que é o mundo da criança. Então é onde eles conseguem liberdade para criar e desenvolver”, explica Natiele.
Autora: Aline Naomi
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.