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Para além de uma nota, portfólios na educação promovem reflexão e autonomia para estudantes

Organizar uma pasta com um conjunto de desenhos e outros trabalhos manuais de cada estudante é uma forma bastante comum de mostrar para as famílias e coordenação qual foi o trabalho desenvolvido durante o ano letivo. No entanto, portfólios na educação podem ser aproveitados de maneiras mais criativas, com maior participação dos próprios alunos, e durante toda a vida acadêmica, até na pós-graduação. 

Tailze Melo, coordenadora dos curso de pós-graduação em Educação Criativa, Metodologias Ativas para a Educação e Processos Criativos pela PUC Minas, defende que os portfólios na educação devem ser muito mais do que arquivos, ou compilações para provar algo para os outros, sejam familiares ou gestores escolares. “Ele tem que ser processual, mas é [também] uma [forma de] avaliação. Não basta só recolher: precisa dar um sentido ao que está sendo mostrado”, afirma. 

Por isso, deve haver uma seleção de trabalhos relevantes, assim como uma contextualização sobre os objetivos do que foi apresentado. A professora recomenda aos professores que convidem seus alunos a participar ativamente da construção de seus portfólios, com um equilíbrio entre autonomia e direcionamento de acordo com a faixa etária. “São eles próprios que devem construir, por meio dos estímulos, roteiros, propostas. O professor pode dedicar alguns momentos para esse trabalho. Mas, sobretudo, se a gente está usando metodologias ativas, o estudante deve atuar ativamente nessa construção”, diz.

“São eles próprios que devem construir [o portfólio], por meio dos estímulos, roteiros, propostas”

Esse tipo de abordagem ajuda a desenvolver o autoconhecimento dos mais novos. “Ele está elencando categorias, decidindo o que acha mais importante, buscando uma estética para mostrar o que já fez. Por isso, não tem uma receita única”, afirma Tailze.  

Embora o docente deva estimular a ação do aluno, ele precisa não perder o foco de que se trata de uma forma de avaliação. Portanto, o ideal é construir uma rubrica e dar devolutivas. “Dizer que um portfólio é bonito ou feio não serve. O aluno tem que conhecer com clareza quais critérios serão observados, ainda que ele seja avaliado na sua singularidade”, diz a professora. 

Professor de artes e tecnologia para estudantes dos 9 aos 90 anos de idade, Natalino Soares Marques lida com turmas a partir do sexto ano do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e também para EJA (Educação de Jovens e Adultos). E ele garante que portfólios na educação funcionam bem para qualquer idade. “Às vezes posso até tratar um mesmo assunto, como “plantas medicinais”, mas cada etapa vai ter suas especificidades, seus interesses”, afirma ele, que atua na rede pública do município de Candeias (BA).

“Através do portfólio eu posso ver o percurso do aluno, como ele se apresenta. Não existe portfólio certo ou errado, porque é uma construção daquele estudante”

Mas o portfólio funciona bem, sobretudo, quando se trata de uma visão de educação menos preocupada com o certo e o errado, mas com a evolução dos indivíduos. “Através do portfólio eu posso ver o percurso do aluno, como ele se apresenta. Não existe portfólio certo ou errado, porque é uma construção daquele estudante, que está em construção. Eu mesmo pego meus portfólios de dez anos atrás e vejo que têm uma diferença imensa em relação ao que faço hoje, mas não tem um melhor que outro, são todos igualmente importantes na minha trajetória”, conta Marques. 

O professor conta que algumas vezes trabalha com portfólios 100% digitais. Para o dia da Consciência Negra, por exemplo, seus estudantes estão fazendo ensaios fotográficos sobre cabelos com tranças, tudo sem o uso de papel. Mas ele também afirma gostar dos portfólios híbridos: atividades presenciais e produtos físicos que são registrados, editados e disponibilizados digitalmente. 

“Antigamente a gente trabalhava com os cadernos, as pastas, mas todas as informações do mundo hoje estão no digital. Ele se torna também um trabalho de memória. Por exemplo, meus alunos fizeram recentemente um trabalho com folhas de bananeira, um trabalho analógico, com uma manipulação física, mas ele foi registrado e todos podem ver em um link”, cita. 

E há mais vantagens, defende Marques: O digital permite reunir facilmente os trabalhos individuais, organizando assim uma visão dos aprendizados coletivos, e ainda explorar várias linguagens conjuntamente: texto, imagens, áudios e vídeos. 

Ver o que os alunos escolheram para seus portfólios e a qualidade do que está sendo mostrado se torna ainda uma maneira do professor avaliar seu próprio trabalho. “É pelo olhar dele que eu faço minha autoavaliação. Eu ensino cinema, dou as partes teóricas, falo dos planos, dos cortes. Só vou poder me avaliar a partir do que os alunos fazem. Por isso, eles precisam ir para aulas de campo, sair da escola, praticar a teoria”, diz Marques

Metacognição 

Danielle Lima, professora de Língua Portuguesa na educação básica, coordenadora de projetos da Redesenho Educacional e autora de material didático-pedagógico, vê os portfólios na educação sendo subutilizados. Além de promover a autoria, incentivar as memórias e desenvolver múltiplas linguagens, os portfólios trazem um potencial de metacognição. “Normalmente, o estudante não tem uma postura de pensar no processo de aprendizagem. Ele olha muito para os instrumentos avaliativos, as provas. Nelas, só precisa ver o que errou e ainda percebe o que precisa aprender, mas não olha o que aprendeu, nem como aprendeu”, explica. 

Já o portfólio cumpre essa função de meta aprendizagem, diz a professora. “O foco é no processo, não no resultado. Vai existir um produto, mas o importante é o desenvolvimento durante o processo.”

É importante a utilização do portfólio ser planejado com intencionalidade, mas o professor também deve ser capaz de abrir mão do controle. “Posso dar aulas para cinco turmas, mas cada uma é diferente. Eu fui trabalhar um cartaz sobre prostituição infantil com duas turmas de 7o ano. Numa delas, o olhar foi para os elementos do cartaz. Na outra, o olhar foi para o assédio. Tive de parar a aula, o “meu conteúdo”, porque as meninas começaram a contar sobre situações que viveram. Não posso desconsiderar o que os estudantes falam. Quando você tem um disparador, nunca sabe exatamente o que vai sair daquilo.

Para que esse trabalho tão significativo e profundo não se torne mais um documento escolar, “chato”, Danielle recomenda que se pense em formatos criativos. “Eu trabalho as características de storytelling (narração de histórias), para rememorar um percursos de aprendizagem. Em vez de algo técnico, um relatório, se transforma em um relato de uma vivência, de uma experiência”, sugere.

Autora: Luciana Alvarez

* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.

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