A palavra “autonomia” pode ser entendida como “a capacidade de governar-se pelos próprios meios”. Aplicada à prática do educador, a autonomia consiste na consciência sobre a docência, sobre o fazer e sobre o ser professor, sobre o sentido do ensino e da educação na sociedade. Isso é o que defende José Contreras, professor da Universidade de Barcelona.
Ao lado da valorização salarial, a autonomia docente é um pilar estrutural de sistemas de ensino reconhecidos mundialmente, da Finlândia ao Japão, da Estônia à Coréia do Sul. Coordenador do influente ranking Pisa (sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Alunos), organizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), Andreas Schleicher defende o crescimento da autonomia docente e o estabelecimento de uma cultura colaborativa como os eixos que transformarão o ambiente escolar.
Trazendo esse tema para o cenário da educação brasileira, é preciso refletir sobre como construir um ambiente escolar para que os educadores tenham autonomia na criação e no desenvolvimento de práticas inovadoras. Antes disso, porém, é necessário entender por que ela é importante para a prática pedagógica.
Autonomia para abordar as diversas realidades
“O ensino que o professor promove em todos os espaços educativos que tiver acesso precisa estar conectado com o contexto e com as demandas dos estudantes”, afirma a gerente de tecnologias educacionais do Cenpec, Guillermina Garcia.
“O docente precisa ter autonomia para dialogar e revisar o seu planejamento, de acordo com o que cada turma e cada estudante traz. Se o mundo está se transformando, se a realidade traz questões emergentes, cabe ao professor incluí-las em seu planejamento, e tendo autonomia na sua prática ele garante que isso será possível.”
“O docente precisa ter autonomia para dialogar e revisar o seu planejamento, de acordo com o que cada turma e cada estudante traz”
Professora do Instituto Singularidades e coordenadora do LabSing, Tathyana Gouvea complementa: “Diante da diversidade de contextos que a gente tem na educação brasileira, métodos de ensino padronizados não respondem às demandas e desafios de cada uma dessas realidades. Então, a autonomia docente permite que o professor crie estratégias e soluções para cada um dos seus estudantes, em cada um dos contextos.”
Autonomia para incentivar a inovação
Ao trabalhar com formação docente e prestar consultoria às redes de ensino, o pesquisador da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), André Raabe, se deu conta da enorme oportunidade de fortalecer práticas inovadoras nesses espaços. “Muita coisa na escola é repetida, mais do mesmo, só porque ninguém propôs algo diferente. É preciso pensar em mudanças de ordem metodológica, trabalhar com construcionismo, incentivar a autonomia dos alunos, trabalhar com projetos do interesse deles”, afirma André, que também coordena o LITE (Laboratório de Inovação Tecnológica na Educação).
Ele acredita que os professores devem deixar de lado a rigidez diante do currículo, dando mais vazão para que os jovens aprendam de formas diversificadas. “Defendo uma autonomia que permita ao docente testar na prática ideias de inovação, sem ser tolhido se o teste der errado. Porém, para atingir esse grau o professor tem que se sentir seguro no ambiente em que está, fechando a porta da sala e entendendo que ali é seu espaço, que pode fazer do seu jeito”, afirma o pesquisador.
“Defendo uma autonomia que permita ao docente testar na prática ideias de inovação, sem ser tolhido se o teste der errado”
Entre as inúmeras consequências positivas da autonomia, pode-se notar um avanço nas relações entre estudantes e professores, que passa a ser mais horizontal. “Melhora a qualidade do ensino-aprendizagem e melhora a saúde mental de ambos também.”
Ambiente em prol da autonomia
Para criar um ambiente escolar em prol da autonomia docente, é necessário levar em consideração três aspectos:
- Realizar formação docente continuada: “Se o professor não teve exemplos inspiradores de pessoas que tiveram autonomia para fazer uma educação diferente, não terá referências para isso”, comenta;
- Criar ambientes propícios: “Carteiras enfileiradas não favorecem. É importante pensar em espaços maker, estúdios, ateliês, oficinas; isso faz o aluno ingressar no mundo daquele tema, e provoca encantamento”;
- Diminuir os obstáculos para a inovação: “Se seguirmos estreitamente a base curricular, ela não possui nenhuma flexibilidade, e os alunos terão sempre trajetórias semelhantes. É preciso pensar em currículos mais flexíveis, que permitam que dentro da sala de aula aconteçam diferentes aprendizagens. Quando o projeto político pedagógico da escola inclui a inovação, as boas ideias desenvolvidas pelos professores passam a ser perenes, e não pontuais.”
Guillermina enfatiza também alguns pontos – principalmente o investimento em formação continuada -, adicionando a importância de uma cultura em que os professores aprendam uns com os outros e possam observar seus pares trabalhando. “Isso é fundamental não apenas no início, mas também ao longo da sua carreira. Portanto, é essencial que essa prática se mantenha no espaço escolar.”
Entre os desafios desse processo está o entendimento de que a autonomia não significa um trabalho individual e isolado. “No processo de ensino-aprendizagem, as responsabilidades devem ser compartilhadas, e a autonomia docente deve estar alinhada às diretrizes que a escola propõe. Para que o professor exerça a sua autonomia de forma adequada, ele precisa estar bastante seguro, bem acompanhado pelos seus pares e por uma boa gestão escolar”, finaliza.
Autor: Danilo Mekari
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.