Estimular a igualdade de gênero na escola permite que meninos e meninas desenvolvam todo o seu potencial. Mas ainda há uma série de barreiras a serem enfrentadas. Quando se fala de STEAM (sigla em inglês para ciências, tecnologia, engenharia, arte e matemática), por exemplo, o assunto ainda é distante do universo das meninas.
No Brasil, 62% das estudantes não conhecem nenhuma mulher que trabalha na área, aponta a pesquisa “Meninas curiosas, mulheres de futuro”, feita pelo projeto Força Meninas. No entanto, até 2025, serão criados 797 mil empregos em TI (Tecnologia da Informação) no país, informa o mesmo levantamento. Como os professores podem acabar com os estereótipos, estimular e capacitar a participação das meninas na ciência?
Para Débora Garofalo, professora de tecnologias reconhecida internacionalmente pelo trabalho de robótica com sucata – ela é uma das finalistas do Global Teacher Prize de 2019, tido como o Prêmio Nobel da Educação –, é preciso quebrar com a ideia, ainda na infância, de brinquedos e ferramentas só para determinado gênero. “Há um machismo estrutural dentro da nossa sociedade, mas essas dores precisam ser trabalhadas”, diz a educadora que atualmente colabora com secretarias de educação na construção de políticas públicas para democratizar o acesso à tecnologia e inovação.
O primeiro passo é criar uma aula acolhedora, na qual todos se sintam confortáveis e motivados a participar, criando estratégias para aumentar a confiança das meninas na ciência, com materiais relacionados e disponíveis de maneira igualitária entre toda a turma.
A estratégia vai ao encontro do que mostra uma pesquisa da Universidade de Houston e da Universidade de Washington, nos Estados Unidos: logo no início do ensino fundamental, muitas crianças já acreditam que os meninos estão mais interessados do que as meninas em ciência da computação e engenharia, o que pode afetar as garotas em participar das atividades sobre STEAM. Por isso, o combate aos estereótipos deve ser estimulado desde cedo.
Colocar as meninas à frente de projetos como feiras de ciências e tecnologias, para que os meninos entendam o protagonismo das colegas, também é uma recomendação de Débora.
Vale contar para a turma como no passado as meninas eram mal vistas quando desmontavam e remontavam as coisas, mas que hoje isso é sinônimo de criatividade e interesse. Colocar a mão na massa faz com que as alunas se sintam mais estimuladas a experimentar diferentes aspectos do STEAM, sugere Débora. “A robótica está presente em diversas áreas da nossa vida e muitas mulheres estão por trás disso”, reforça. Dividir com a turma exemplos de grandes mulheres na área e como essas pesquisadoras têm trajetórias inspiradoras é outro caminho que a educadora trilhava.
Com a proposta de destacar o papel de cientistas mulheres para estudantes do ensino fundamental e apoiar formação de professores na área, foi criado o projeto Menina Ciência, Ciência Menina, na UFABC (Universidade Federal do ABC), em São Paulo (SP). O curso é composto por palestras e atividades práticas, com objetivo de mostrar diferentes áreas de atuação.
“Eu sou formada em física, e muita gente entendia que a minha formação era educação física. Sempre fui uma das poucas mulheres a trabalhar em indústrias, laboratórios. Quando comecei a atuar com formação de professores, entendi que precisava fazer algo”, conta Maria Inês Ribas Rodrigues, coordenadora da iniciativa, sobre a necessidade de ampliar o debate sobre as meninas na ciência.
“As meninas são extremamente criativas. Lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive na ciência”
Programas que apoiam a representatividade e o trabalho das garotas nas áreas científicas servem para ampliar horizontes. “Queremos que as meninas tenham amplo acesso e possam ser livres para escolher o que elas querem fazer”, comenta. “É importante que elas descubram desde cedo habilidades que talvez acreditassem que não tinham.”
As entrevistadas concordam que promover as áreas de ciências e de carreiras de exatas nas escolas gera impacto não só para a aprendizagem, como para autoestima das estudantes. Para elas, além das questões de gênero, outras frentes precisam ser observadas quando se leva o STEAM à sala de aula.
Segundo dados do Censo Escolar da Educação Básica 2023, 80% dos estudantes brasileiros estão matriculados na rede pública. “Além do gênero, quando falamos de ciências, precisamos também nos atentar às questões raciais, da presença de meninas das periferias nas ciências. São questões ainda mais sensíveis, mas para as quais temos de olhar e investir”, reforça Maria Inês.
A formação inicial e continuada dos professores também é fundamental para promover a equidade de gênero. Os educadores devem olhar para a área com mais profundidade e entender quais barreiras impedem que as meninas se aproximem das áreas STEAM, como reforçam Débora e Maria Inês.
“Temos uma grande carência na formação inicial de professores. Faltam vivências. Eles também precisam de momentos de formação em STEAM, que vem crescendo e tem o poder de ressignificar a nossa educação por meio da criatividade, dos pilares da cultura maker, da robótica”, aponta Débora. Ela ressalta que as políticas públicas devem vir acompanhadas de programas eficientes, que tragam a questão de gênero e o trabalho mão na massa diferenciado e significativo no processo de ensino-aprendizagem. “Afinal, as meninas são extremamentes criativas. E o lugar da mulher é onde ela quiser, inclusive na ciência”, completa.
Autora: Ana Luísa D’Maschio e Marina Lopes
*Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.